O ciclo único, a pedagogia única e o poder único


De Santana Castilho, no Público de hoje

Um só professor a ensinar Português, Matemática, História, Geografia, Ciências da Natureza e o que mais se verá?As 135 páginas do relatório apresentado ao CNE (Conselho Nacional de Educação) sobre o estudo relativo à educação das crianças dos 0 aos 12 anos foram escritas por académicos ilustres. Constituem por isso uma leitura estimulante, a muitos títulos. Mas no âmbito desta coluna apenas fará sentido tratar a proposta mais polémica que dele emana, a eventual fusão dos 1º e 2º ciclos do ensino básico, fugindo, quanto possível, da complexidade dos estritos registos académicos e considerando, também quanto possível, as percepções mais comuns dos que estão no terreno.

No relatório refere-se um “contraste violento e repentino entre o regime de monodocência do 1º ciclo e o regime de pluridocência do 2º” e sugere-se que a fusão dos dois obstaria a “transições bruscas”, inconvenientes para as crianças. Coerentemente, propõe-se um professor único para os dois ciclos, ainda que eventualmente coadjuvado por outros (dois ou três professores na mesma sala, ao mesmo tempo, a dar matérias diferentes, numa animada e pós-moderna balbúrdia pedagógica?). Ora sucede, como é público e conhecido, que um professor generalista, concebido para leccionar até ao 6º ano da escolaridade básica, já está a ser formado, infelizmente, na sequência do Decreto-lei nº 43/2007, de 2 de Fevereiro. Termos em que este estudo veio mesmo a calhar: valida pela voz autorizada de académicos conceituados a temeridade do Governo. Quanto à natureza brusca da passagem do 1º para o 2º ciclo e aos implícitos inconvenientes que daí resultam, procurei e não encontrei no estudo fundamentação suficiente. Outrossim, o que as estatísticas mostram é que o insucesso escolar é bem mais significativo na transição do 2º para o 3º ciclo. Com efeito, os resultados globalmente obtidos pelos alunos do 5º ano (o da transição brusca) são bem melhores que os conseguidos no 7º ano (altura em que os alunos já estão adaptados ao regime da pluridocência). Mas, mais que isso, teremos todos dificuldade em aceitar este cansativo fado dos traumas das criancinhas.

Numa sociedade em que o paradigma imposto, quase como condição de sobrevivência, é o de estarmos preparados para nos adaptarmos e mudarmos constantemente, receamos que, aos 9/10 anos de idade, a passagem do regime de classe para o regime de disciplinas autónomas traumatize as crianças? E a deslocação bruta, forçada, de crianças de 6 anos do seu ambiente habitual para escolas distantes e grandes, por jornadas de autêntico “trabalho” infantil que superam em duração o legalmente permitido aos trabalhadores adultos, com dezenas de quilómetros andados para lá e para cá, deixará incólumes corpos e espírito das indefesas criaturas? Quando a alegada monodocência do 1º ciclo é, aliás, falsa, dado que na maioria das escolas as crianças já têm vários professores, para além do nuclear (educação física, expressões e inglês)?A verdadeira consequência, a importante, em minha opinião, reside num novo decréscimo do conhecimento que tal sistema originará para as crianças. Um só professor a ensinar Português, Matemática, História, Geografia, Ciências da Natureza e o que mais se verá? O peso da especulação pedagógica em detrimento das tradicionais áreas do conhecimento tem conduzido as crianças portuguesas por tristes veredas de infantilização. O proposto será uma boa achega para a promoção desse pernicioso percurso e para mais uma drástica redução do número de professores em actividade, com a natural e consequente redução significativa dos custos da provisão do ensino básico a que o Estado está obrigado.

O cinismo com que o Ministério da Educação reagiu à proposta, dizendo que é prematura a fusão do 1º com o 2º ciclo do ensino básico, é confrangedor, sendo certo que não há muito tempo propôs, ele próprio, isso mesmo e lançou, em conformidade, a já referida formação de professores para os dois ciclos, em regime de monodocência. Mas sob o manto diáfano desta mal disfarçada inocência está o ardiloso avanço, com a necessária preparação da opinião pública, de mais uma investida para poupar cobres, em pura lógica imediatista. Que se lixem as crianças e a lei de bases que claramente proíbe a fusão! A maioria absoluta, o desastre de Bolonha e, agora, o CNE são música celestial para os ouvidos dos absolutistas que se sentam na 5 de Outubro. Professor do ensino superior

Muitas escolas já preparam a transição do 1º CEB para o 2º CEB

Há escolas que preparam bastante bem a transição do 1º CEB para o 2º CEB. O DN de hoje traz uma história que relata um caso desses. É no agrupamento de escolas Bernardino Machado, em Joane, Famalicão. Graças às AEC, os alunos começaram a estar envolvidos com uma equipa de professores logo desde o 1º ano. Quando transitam para o 5º ano, são acompanhados pela professora titular da turma que entrega as crianças ao director de turma. No primeiro dia de aulas, as crianças conhecem a escola e os novos professores. Desta forma, a transição de ciclo é feita suavemente, sem quaisquer traumas, ao contrário do que o Relatório do CNE afirma. Há muias escolas que já utilizam estes procedimentos. É uma falácia dizer-se que os alunos transitam de um professor, no 1º CEB, para muitos professores, no 2º CEB. O que acontece, na realidade, é que os alunos têm contacts diários com 3 ou 4 professores, logo no 1º CEB. A transição para o 2º CEB, se for bem preparada, como acontece no agrupamento Bernardino Machado, em Joane, Famalicão, não só não é traumática, como é divertida e entusiasmante. O presidente do agrupamento afirmou ao DN de hoje que acha muito bem que se junte o 1º CEB ao 2º CEB, desde que isso não signifique menos docentes a leccionarem, nem turmas maiores.

Alfredo Lima, presidente do agrupamento Bernardino Machado, avisa que a transição brusca não se dá no 2º CEB, mas sim na passagem deste para o 3º CEB. Leia a história toda no DN Online.

Depoimentos como o do presidente do agrupamento Bernardino Machado, de Joane, em Famalicão, são muito importantes. Repõem a verdade e ajudam a combater os mitos criados por mentes que, ou não sabem o que se passa nas escolas básicas, ou têm uma agenda política e ideológica que visa a infantilziação de todo o ensino básico e a transfiguração completa do currículo da escola básica. Se lhe fizerem a vontade, voltarão de imediato as suas atenções para o ensino secundário, procurando estender a esse nível de ensino as mudanças estruturais que conseguiram impor no ensino básico. Essa ideologia pedagógica assenta em várias ideias erradas:

1.A ideia de que existe uma oposição entre ensinar competências e ensinar conteúdos: consideram que a primeira posição é mais válida que a segunda.

2.A ideia de que o único ensino válido é o que “imita a vida”, ou seja, que está profundamente ligado à experiência de vida das crianças e dos jovens.

3.A ideia de que as tarefas de repetição, prática e treino supervisionado não têm valor pedagógico e, portanto, devem ser evitadas na escola.

4.A ideia de que as crianças têm sempre razão e de que a culpa pelos seus fracassos cabe sempre aos professores.

5.A ideia de que se pode ensinar tudo através do jogo e sem o apelo ao esforço.

6.A ideia de que a aprendizagem pode e deve ser sempre divertida e lúdica.

Nota: para aprofundar a questão da ideologia pedagógica que tem ocupado os corredores e gabinetes do ME, leia o meu post no blog ramiromarques.

A pluridocência é a regra nas escolas primárias de Espanha

Desde 1990, que as escolas primárias de Espanha contam com mais do que um professor na sala de aula. Para além do professor titular da turma, os alunos contam com a presença de um professor especializado no ensino do Inglês, outro especializado em ensino da Música, um outro em Educação Física e outro em Religião. Em certos casos, há também o apoio de um professor especializado no ensino das Ciências. Desde 2004, que 150 centros escolares da Comunidade Autónoma de Madrid introduziram o bilinguismo na escola primária com ensino simultaneamente em Castelhano e em Inglês.

Em Portugal, devíamos optar pela mesma solução. Em vez da inclusão do Inglês nas AEC, devíamos introduzi-lo na componente lectiva. O mesmo se terá de fazer com a Música e com a Educação Física. Se alguma modificação há a fazer é a introdução do Inglês, da Música e da Educação Física na componente lectiva do 1º CEB. No 2º CEB, não vale a pena mexer. O dispositivo actual permite a diminuição da dispersão curricular. Basta que as Ciências e a Matemática sejam leccionadas pelo mesmo professor. E o mesmo para o Português e a História.

Entrevista do Sol a Ramiro Marques sobre a fusão de ciclos.

O jornal Sol publicou, ontem, uma matéria muito interessante sobre a proposta de fusão dos 1º CEB e 2º CEB, em consequência das recomendações do Relatório do CNE, A Educação dos 0 aos 12 Anos.

Pergunta: Até que ponto será possível reunir as competências necessárias numa só pessoa para leccionar matérias tão distintas num grau já mais avançado do ensino (o 2.º ciclo)?

Ramiro: É muito difícil. Os professores que leccionam no 2º CEB não têm formação científica e pedagógica para leccionarem todas as áreas curriculares. E nem falo sequer nas Artes e na Educação Física, que exigem uma especialização muito concreta. No mínimo serão necessários 5 professores caso se queira assegurar alguma qualidade nas aprendizagens. Os novos professores, a serem formados, no quadro do decreto lei 43/2007 de 22 de Fevereiro, também não terão as competências necessárias. O chamado perfil 4, que esse diploma cria (professores generalistas para os 6 anos de escolaridade), irá proporcionar uma formação científica e pedagógica muito fraca. Constitui um enorme retrocesso. Os autores da proposta de fusão dão a entender que concordam com o decreto lei 43/2007 de 22 de Fevereiro e com o novo modelo de habilitações para a docência. É um modelo que já está em marcha e que se iniciou este ano lectivo com a abertura do 1º ano da Licenciatura em Educação Básica. Impõe uma formação em mosaico, demasiado generalista, que pretende ensinar um pouco de tudo mas nada em profundidade.

P:A Matemática (que tão fracos resultados costuma obter) não pode vir a sofrer com isso?

R: Claro que sim. São reconehcidas as dificuldades que os professores do 1º CEB mais jovens têm na Matemática. Será muito pior com a Matemática do 2º CEB que, evidenteente, é mais complexa.

P: Esta é uma medida que pode aumentar a precariedade dos professores? Como?

R: Se for implementada, haverá milhares de professores que irão ser dispensados por ficarem com horários zero. Irão para o quadro de mobilidade. Estou a lembrar-me sobretudo dos professores de educação física e de artes. A medida irá criar uma enorme instabilidade nos professores do 2º CEB.

P: Em seu entender faz sentido usar como argumento o facto de a transição do 1.º para o 2.º ciclo ser traumática para os alunos?

R: É um completo disparate. Acontece exactamente o contrário. É com entusiasmo e alegria que os alunos mudam da escola do 1º CEB para a escola do 2º CEB. Pode constituir uma oportunidade de crescimento.

P: Esta medida pode contribuir para infantilizar os alunos do 2.º ciclo?

R: O objectivo parece ser esse. Há uma ideia romântica sobre a infância e a puberdade no Relatório da CNE. Os autores não percebem que as crianças são mais fortes do que parecem e gostam de desafios. É uma medida disparatada e sem sentido. Há uma ideia subliminar nesta proposta de fazer do ensino básico um grande jardim-de-infância. E se lhes fizerem a vontade, hão-de regressar mais tarde a exigir o mesmo para o ensino secundário. Não têm emenda!

Ciclos de ensino… a questão não está no nome ou na duração

O que me preocupa e assusta não é a ideia de se passar, no nosso país, a designar como um só ciclo o que actualmente se designa por 1º ciclo e 2º ciclo. Vários países consideram como um só ciclo o ensino dos 6 aos 12 anos – a questão não está na ideia, em si, de “ciclo”.
A 1ª grande questão, a meu ver, está no regime e conteúdos da formação de professores instituída ou a instituir, bem como na adequação do número de professores às exigências quer dos progressivos aprofundamentos das aprendizagens, quer das áreas especializadas que a formação de professores “generalistas” não pode abarcar com seriedade.
Assim, o que me preocupa e assusta na publicação, pelo CNE, do Relatório do Estudo “A educação das Crianças dos 0 aos 12 anos” nem é tanto o seu conteúdo (que deve ser lido, e não os “resumos” que dele faz a comunicação social), mas sim o aproveitamento que decerto a Ministra da Educação dele fará em apoio aos seus objectivos. E, porque considero que os objectivos economicistas desta ministra (e do governo a que pertence) juntamente com as desastrosas visões que tem sobre educação e ensino estão a levar o nosso sistema educativo para caminhos cujas lamentáveis consequências demorarão muito tempo a remediar, fiquei aterrada com este “apoio” do CNE .
As nossas crianças estão a ser cobaias. A quem responsabilizará o país se vier a acordar para tristes consequências das experiências precipitadas de governantes que tomam uma maioria absoluta como legitimidade para catadupas de reformas e medidas, numa correria de quem se importa muito mais com o seu percurso eleiçoeiro do que com o futuro (e o presente) dos portugueses?
Estou cansada – cansada do que observo. Já não tenho vontade de comentar. Deixo só este breve e muito superficial comentário – para escrever mais, estou cansada (ou triste, ou descrente, nem sei).
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Adenda
A Ministra da Educação já veio a público dizer que a fusão dos 1º e 2º ciclos não está nos objectivos deste governo (para a 1ª legislatura, leia-se). (Ouvi a própria Ministra na rádio, mas outras e talvez um pouco diferentes declarações se seguirâo) Mas os primeiros alicerces foram construídos por este mesmo governo com o novo regime de formação para a docência.
O relatório do CNE diz ter como um dos seus objectivos “comparar a situação portuguesa com a situação noutros países”. Então, porque descreve longamente a organização da educação das crianças dos 0-12 anos em seis países e quase nada informa sobre a formação de professores nesses países? A esta são apenas dedicados dois parágrafos que se limitam a dizer que a formação para a educação de infância é, em geral, de nível superior, que a formação para o “ensino primário” é de nível universitário e que ambas são completadas por um período de estágio profissional. Acho estranho este laconismo.

Há 10 meses o CNE discordava e agora já concorda?

Ou estou a ler mal?

(Se estou a ler mal, corrijam-me, por favor!)
«4—Apreciação na especialidade.
4.1—No caso da formação de professores do 2º ciclo do ensino básico (…), o anteprojecto contraria a Lei de Bases do Sistema Educativo [artigo 8º, nº 1, alínea b)], dado que nela se consagra que, no 2º ciclo do ensino básico, o ensino se desenvolve «predominantemente em regime de professor por área». No entanto, o anteprojecto propõe um mesmo professor para um alargado espectro de áreas (Língua Portuguesa, Matemática, História, Ciências da Natureza e Geografia de Portugal). No nosso entender, a formação de tais professores deve conferir-lhes habilitação para a docência de uma área do 2º ciclo do ensino básico (tal como previsto na Lei de Bases do Sistema Educativo) e, simultaneamente, para serem professores coadjuvantes dessa mesma área no 1º ciclo do ensino básico. »
«(…) numa altura em que as alterações ao enquadramento jurídico da formação de professores (Dec-Lei nº 43/2007 de 22 de Fevereiro) definiram uma licenciatura em educação básica comum como ponto de partida para a formação profissional pós-graduada para educadores de infância, professores do 1º CEB e professores do 2º CEB, tendo subjacente a ideia de estabelecer uma unidade educativa com identidade própria para a faixa etária dos 0 aos 12 anos. Neste contexto, importa reflectir sobre os fundamentos e os efeitos dessa reorganização do sistema educativo – relativamente à qual, desde já, se expressa a nossa concordância (…)»

Com tantos documentos, alguns a carecerem que os leia com mais atenção, humildemente admito que esteja a ler mal o sentido dos excertos que citei em termos do que me parece uma contradição. Se assim é, agradeço que me corrijam.

In “Memórias soltas de Professor”

PÚ – Professor Único!


As abelhinhas operárias

Aparece como caído do nada a notícia da ‘fusão’ dos 1.º e 2º ciclos (ver Público), do nada, não, mas de um estudo apresentado no Conselho Nacional de Educação, coordenado por Isabel Alarcão.
Lê-se o estudo, que por acaso está muito bem elaborado, e não vemos a expressão ‘fusão’ em lado algum! Este estudo, “A educação das Crianças dos 0 aos 12 anos” enuncia uma série de constrangimentos e aponta várias tentativas de solução, alicerçadas em 2 vectores:
– um currículo integrado e áreas especializadas;
– coordenação e gestão da globalidade do currículo pelo professor responsável pela turma e pela equipa de docentes.

Este ‘professor responsável’ é que, no entender dos autores, será o coordenador de ‘professores coadjuvantes’ e o garante de uma mais correcta transição dos alunos.
O estudo comporta uma lógica de gestão integrada que não prevê, de forma alguma, uma monodocência estanque, bem pelo contrário. No entanto, o Sr. Secretário de Estado Valter Lemos, famoso arauto do P.U. (Professor Único), agarrou de imediato a ideia de um estudo que ainda se encontra em fase de análise para, mui repentinamente afirmar:
As bases já estão criadas, o perfil dos professores já foi alterado de modo a que, se for preciso, estejam preparados para a mudança.

Ora aí está! Aí está tudo quanto precisava para ter um só professor…! Mas é melhor ler o estudo, ler Sr. Secretário de Estado, para aquilatar o que lá é dito e defendido para depois, sim depois e com cabeça, pensar no melhor caminho a seguir, porque muito mais traumatizante que a passagem da pluri para a monodocência será refundar tudo sem ninguém perceber nada, em particular os alunos, que sabem, sabem e sonham com o momento que darão um passo importante do seu crescimento – a entrada no 2º ciclo!

Eles, os alunos, também sabem, sabem e pensam…, e sonham com etapas, com metas que querem ultrapassar como se de conquistas de imperiosa afirmação pessoal se tratasse.

In “Sinistra Ministra”

Somos um país de traumatizados

Somos um país de traumatizados e tudo por culpa de nos obrigarem a transições bruscas. E esta, hem?

A RTPN dedicou o programa Antena Aberta à discussão sobre a fusão do 1º CEB com o 2º CEB, a propósito do Relatório da CNE, A Educação das Crianças dos 0 aos 12 Anos.

O comentador principal foi João Grancho, presidente da Associação Nacional de Professores. Teve uma participação fraca. Ficou-se pelas generalidades. A propósito das recomendações do Relatório da CNE, falou muito e não disse nada. Ora dizia que a fusão podia ser positiva, ora que não. Enfim, eu não consegui entender nada. O Presidente da CONFAP esteve igual a si próprio. Nem comento! O dirigente da FNE falou pouco e não disse nada. O único que disse alguma coisa de jeito foi o colega Côrte Real, de Mafra.

Ficámos a saber, graças ao Relatório da CNE que, nos últimos 30 anos, o sistema de educação andou a traumatizar os alunos, obrigando-os a transitar da escola do 1º CEB para a escola do 2º CEB. Feitas as contas, todos os portugueses são uns traumatizados porque, quer antes quer depois de 1974, as crianças foram “vítimas” dessa transição “brusca”.

Para os autores do Relatório e para a ministra da educação, que apoia as recomendações do Relatório, obrigar as crianças de 6 e 7 anos de idade a deslocarem-se para centros escolares que ficam a 30 km de casa não é traumatizante. Traumatizante é obrigar as crianças de 10 anos a trocarem a escola do 1º CEB pela escola do 2º CEB. É caso para perguntar: os autores do Relatório têm visitado escolas do 2º CEB? Já acompanharam os alunos do 5º ano nos primeiros dias de aulas? Se tivessem acompanhado, testemunhariam, com certeza, a alegria e o entusiasmo no rosto dos alunos.

Deixemo-nos de subterfúgios: o que está em causa é apenas reduzir a despesa com os salários dos professores. Só quem não sabe fazer contas é que pode dizer que a generalização do professor generalista nos 5º e 6º anos não leva à redução do número de professores necessários.

Continuarei, neste blog e no blog ProfAvaliação a analisar o Relatório da CNE, por várias razões:

  • A ministra da educação vai servir-se dele para justificar algumas das suas políticas mais gravosas: escola a tempo inteiro, desfiguração da missão da escola, transfiguração da profissão docente e escola a tempo inteiro.

  • A concepção de escola e de professor que informa todo o Relatório e sobretudo as suas conclusões e recomendações é muito semelhante à perspectiva que tem sido adoptada pela ministra da educação.

  • Há afirmações no Relatório sobre a formação inicial de professores que me levam a concluir que os autores estão de acordo com o decreto lei 43/2007 de 22 de Fevereiro, que cria o novo quadro de habilitações profissionais para a docência, e que, a meu ver, constitui um enorme retrocesso pedagógico com efeitos nefastos que se irão fazer sentir daqui a 3 anos.

  • A serem levadas à prática algumas recomendações do Relatório, iremos assistir a um aumento da degradação do currículo da escola pública. Quem já tenha leccionado no 2º CEB (eu leccionei) sabe, perfeitamente, que a grande maioria dos professores não tem preparação para leccionar todas as unidades curriculares dos 5º e 6º anos. Quem conhece os planos de estudo dos novos cursos de formação inicial de professores, perfil 4 (o perfil que aponta para o professor generalista), sabe, perfeitamente, que esses futuros professores não saem com conhecimentos sólidos para leccionarem todas as unidades curriculares.

Opinião:

Mas será que ainda ninguém entendeu qual o objectivo desta fusão? Mas alguém acredita que as crianças ficam traumatizadas, nesta idade, quando mudam de ciclo? Com os meus dois filhos passou-se exactamente o contrário: “Para o ano vou para a escola dos grandes”. Não terá sido mais traumatizante o fecho das escolas do 1.º ciclo e a transferência das crianças para centros escolares distantes de casa, obrigando as crianças a levantarem-se às 7.30h para terem aulas às 9.00h e a regressarem a casa por volta das 18.30h-19.00h? Uma escola de Sol a Sol. Uma escola de Noite a Noite. Não terá sido isto o mais traumatizante e angustiante para crianças de 6, digo SEIS anos de idade? Não é desumano manter crianças desta idade fechadas em escolas durante um dia inteiro com AEC na mesma sala de aula? Isto sim é que traumatiza estes inocentes que ainda não têm voz. Estamos a formar uma geração que irá dar muitos problemas no futuro. Basta ver como é que estas crianças chegam a casa: angustiadas, nervosas, conflituosas… e sempre muito cansadas. Este governo até obrigou as crianças a deixarem de ser crianças. Rouba-lhes a infância. Os pais ainda não pararam para pensar sobre os malefícios desta situação. Conheço colegas cujos filhos cumprem apenas a componente lectiva e o Inglês. O resto faz-se fora da escola. Os seus filhos aprendem, brincam e socializam noutras instituições e sobretudo na família. Com os pais, irmãos e avós.
Este famigerado défice que tudo funde e tudo desumaniza é a justificação para esta maneira cruel de governar. Hoje, mais do que nunca, as pessoas deixaram de ser pessoas e passaram a ser números. E como tal, tudo vale para atingir os fins. Como diz um economista muito conhecido: ” Combater o défice é a coisa mais fácil para qualquer governo. Ninguém inventou nada de nada. O pior é como se reabilitam as pessoas. E isso levará anos e irá custar muito caro a este país”. As pessoas começam a deixar de viver para passar a sobreviver. Exagero? Talvez. Só que os números não mentem: mais pobres, pobreza envergonhada, desemprego e falta de dinheiro.

Manuel Santos

A ministra da Educação admite a possibilidade de fundir o 1.º e o 2.º ciclos do Ensino Básico, tal como foi preconizado pelo estudo da Comissão Nacional de Educação (CNE) que foi ontem publicamente apresentado. As associações de pais, de professores e o pediatra Mário Cordeiro aplaudem a ideia.

Apesar de Maria de Lurdes Rodrigues não se ter comprometido com “timings”, o secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, apontou para a próxima legislatura a eventual fusão dos 1.º e 2.º ciclos e defendeu um “razoável consenso” para a concretização da medida. Leia o resto no JN Online.

Comentário
Estamos a criar uma país de mariquinhas. Sem ofensa para os gays! Terapeutas, ex-ministros da educação, associações de pais, gurus do eduquês e dirigentes de associações de professores que não dão uma aula vai para quase um século são unânimes no aplauso à fusão dos 1º CEB e 2ºCEB. E tudo para evitar os traumatismos nas crianças. Já agora: não acham que as crianças e os jovems deviam parmanecer ad eternum no jardim-de-infância? Afinal, também ficam traumatizadas quando trocam o jardim-de-infância pela escola do 1º CEB!

In “Ramiro Marques”

“A reestruturação da organização escolar, fundindo o 1.º e o 2.º ciclos e alargando o ensino da monodocência até aos 12 anos, são algumas das medidas propostas pelo Conselho Nacional da Educação (CNE) num estudo em que caracteriza a situação das crianças portuguesas dos zero aos 12 anos – mais pobres dos que os adultos, mais vitimizadas do que em qualquer outro país da Europa, são das que menos brincam com os pais, tendo na televisão a principal fonte de entretenimento.


Para minorar as «transições por vezes traumáticas» entre ciclos, são propostas medidas que introduzam uma lógica de continuidade entre o pré-escolar e o 1.º Ciclo, assim como uma fusão dos primeiros dois ciclos.”

A questão do regime de monodocência no 1º e 2º ciclo, fundindo estes dois, não é de agora. Já há algum tempo tem-se repetidamente adjectivado a passagem do 4º para o 5º ano como traumático e como razão de todos os males da educação em Portugal. Gostaria de, em poucos pontos, refutar, ou pelo menos, pessoalmente discordar destas razões.

Primeiro, a questão do trauma da criança. Penso que deveriam nestas alturas aparecer os psicólogos e explicar como é nesta fase da nossa vida que aprendemos a adaptarmos-nos a situações novas, e que temos mais activa essa capacidade. Tenho muita dificuldade em admitir que é infantilizando as crianças, quando elas começam a entrar numa fase crítica do seu crescimento psicológico como é a adolescência, que iremos prepara-las mais adequadamente para a complexidade da vida. A adaptação é a capacidade chave do ser humano para sobreviver e ultrapassar os obstáculos que existirão durante toda a sua vida.

Segundo, a questão da suposta monodocência no 1º ciclo, em comparação com o “caos” do 2º ciclo. No 1º ciclo, actualmente, existe o professor de 1º ciclo, que lecciona as áreas chave, mas existem ainda outros professores, de áreas como o Inglês, a Educação Física e as Expressões. Dificilmente hoje se poderá dizer que um aluno no 1º ciclo apenas tem um professor. Logo, a transição não será assim tão violenta como a pintam. Já agora, seria interessante reflectir sobre a opinião que vários pais deram sobre este assunto. Quando questionados sobre o suposto “trauma” pela passagem do 1º ciclo para o 2º, todos se mostraram espantados, negando que isso tenha acontecido com os seus filhos. Aliás, vários mostraram-se contra esta proposta, pois consideram a necessidade dos filhos se adaptarem a novas situações, importante.

Terceiro, a perspectiva do 2º ciclo. Infelizmente, notamos que muitos professores do 1º ciclo dão prioridade aos conteúdos da sua área de formação, seja ela Ciências, seja ela, Letras. Ora, se no 1º ciclo, onde temos a base da Educação, onde os conteúdos são os elementares, já se torna complicado um professor ser excelente em todos, o que acontecerá num 2º ciclo, onde os programas são mais vastos, mais complexos e mais abrangentes? Será realmente um professor capaz de ser excelente em Matemática, Ciências da Natureza, Língua Portuguesa, História, Geografia, etc? Se por vezes já se torna difícil um professor ser excelente em duas áreas disciplinares, custa-me a acreditar que seja com monodocência que a excelência na Educação se atingirá…

Resumindo, a adaptação é uma capacidade que deve ser incentivada, e não, desprezada, e a excelência do professor no conhecimento daquilo que ensina e nas suas práticas pedagógicas são essenciais para se educar uma criança.

O Ministério da Educação considera que é prematuro avançar com a fusão dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico, tal como recomenda o estudo pedido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).

Peço desculpa se estiver errado ou confundido, mas não foi o ME que há tempos propôs o mesmo? Aliás, não se estão já a formar professores de monodocência para o 1º e 2º ciclos? Esta distanciação do ME, sem ninguém os colocar em cheque deixa-me perplexo e algo revoltado. E já agora, será uma inflexão de posição, ou tentar colocar o ónus desta decisão no CNE? É bom que comecem a abrir os olhos, senão, à boleia de estudos como este, o ME leva a sua avante.

A Associação Nacional de Professores alertou hoje para a necessidade de reestruturar toda a formação dos docentes caso avance a fusão do 1º e 2º ciclos do ensino básico, proposta pelo Conselho Nacional de Educação.
“Parece-nos adequado o que é proposto, mas há que ter em conta o tempo de implementação desta medida e a formação dos professores, que terá de ser toda reformulada”, comentou João Grancho, presidente da Associação Nacional de Professores.

Mas agora até a Associação Nacional de Professores defende esta proposta? No ME devem estar a saltar de alegria. Quando quiserem colocar este sistema a funcionar, poderão dizer que todos os intervenientes estão de acordo. E sobre esta associação acho que não vale a pena dizer muito mais… Eles próprios já dizem “

In “Candidato a Professor”

CNE DEFENDE FUSÃO DE CICLOS


Estudo do CNE defende fusão do 1º e 2º ciclos para evitar «transições bruscas»

Um estudo do Conselho Nacional de Educação (CNE) recomenda a fusão dos 1º e 2º ciclos do ensino básico para acabar com «transições bruscas», com apenas um professor, progressivamente apoiado por outros docentes em pelo menos duas áreas

Segundo o estudo «A Educação das crianças dos 0 aos 12 anos», este ciclo de seis anos «visaria neutralizar as transições bruscas identificadas ao nível da relação dos alunos com o espaço-escola, as áreas e os tempos de organização do trabalho curricular, a afiliação dos professores, o seu papel de aluno e com o desenvolvimento gradual das competências esperadas».

Por outro lado, recomenda-se para este ciclo o regime de monodocência com progressiva co-adjuvação, pelo menos em duas áreas, uma mais voltada para as ciências e outra para as letras.

[…]

«Este modelo permitiria articular a exigência da competência disciplinar face ao crescente desenvolvimento do conhecimento sem relegar para um plano secundário a importância do vínculo pedagógico, da relação de pessoalidade e do conhecimento interpessoal que a actual organização do ensino desestabiliza com a entrada do aluno no 2º ciclo do ensino básico»,

lê-se no documento.

Isto porque, analisando a situação actual, os autores constatam que existe um contraste violento e repentino entre o regime de monodocência do 1º ciclo e o regime de pluridocência do 2º, «contraste que é acentuado e intensificado pelas diferentes lógicas organizativas que estruturam o trabalho escolar».

«O contraste acentua-se ainda pela diferença de cultura profissional entre os professores do 1º ciclo e do 2º ciclo. Enquanto que os primeiros se assumem como professores de crianças cuja missão se centra na promoção de aprendizagens fundamentais por parte dos alunos, os segundos assumem-se primeiramente como professores de uma disciplina escolar», lê-se no estudo.

«Ou seja, para os primeiro o que interessa é que os alunos aprendam, enquanto que para os segundos o que interessa é que a sua disciplina seja aprendida. Para os primeiros o foco são os alunos, enquanto que para os segundos o foco é a disciplina escolar», acrescenta.

Em entrevista à Agência Lusa em Fevereiro, a ministra da Educação […] explicou que as escolas nunca puseram em prática um mecanismo que permitia que um só professor leccionasse um conjunto de disciplinas à mesma turma, como Matemática e Ciências ou Língua Portuguesa e Inglês, por exemplo, apesar de o currículo prever essa possibilidade.

«Na prática, o que acontece é que cada um dos espacinhos é preenchido por um professor e é isso que dá lugar à situação de os alunos do 2º ciclo conhecerem, por exemplo, 16 professores», criticou Maria de Lurdes Rodrigues, defendendo a necessidade de estimular as escolas para que façam uma concentração das áreas disciplinares de forma a que os alunos possam ter uma visão mais integrada do conjunto das disciplinas.

[…]

O estudo reconhece, no entanto, riscos com a fusão dos dois primeiros ciclos do básico: uma possível descoordenação das equipas multidisciplinares e uma eventual influência disciplinar e académica dos actuais professores do 2º ciclo (alunos dos 06 aos 09 anos) sobre os do 1º (10 e 11 anos), entre outros.

O documento recomenda ainda o alargamento dos apoios destinados às crianças dos zero aos 03 anos de idade, a profissionalização das amas, uma melhor oferta de ocupação de tempos livres e uma articulação entre serviços sociais e serviços educativos que «ultrapasse a tradicional associação de serviços de carácter social às populações mais carenciadas e de serviços educativos às mais favorecidas».

[…]

Toda a notícia no Sol.

A notícia pode também ser lida no Público, de onde retirámos este comentário:

19.05.2008 – 18h08 – Pinóquio, Neverland

Claro o CNE, como aliás já havia referido anteriormente, é composto por iluminados! Nunca ninguém pensou nestas possibilidades…. realmente, neste país e com este governo, todos os idiotas têm voz! Pois, pois… Na realidade, se existisse uma fusão entre os dois ciclos, teríamos uma disparidade entre as idades iniciais dos 1º e dos segundos, concordo muito mais que se aproveite um professore de matemática e ciências, para leccionar a uma turma ambas as disciplinas, ou Português e Inglês do que o que nos é proposto pelo CNE; Realmente o estudo revela um erro que é a maneira como se posicionam os professores de 2º ciclo, que se focam na disciplina e não no aluno… agora, alunos do 1º ano com mais do que um professor, coitados, muitos deles ainda hoje, volta meia volta choram, como seria se tivessem que aguentar a falta de personalização a que estão sujeitos quando abandonam o 1º ciclo. Claro que os alunos de primeiro ciclo são protegidos ao máximo pelos seus professores… Também as suas idades assim obrigam! Já basta os iluminados que temos: – sócrates, M.ª L Rodrigues, Valter Lemos, Margarida (qualquer coisa) DREN, não precisamos de mais… Vão para casa Srs. do CNE, ver telenovelas.

E podemos dizer que as culturas profissionais do 1º CEB e do 2º CEB são diferentes, por vezes antagónicas, originárias de formações com origens e tradições históricas diferenciadas e traduzidas em representações distintas sobre a educação e a profissionalidade docente. O professor do 1º CEB é um professor que pensa na criança e nas suas aprendizagens estruturantes; os professores do 2º CEB pensam fundamentalmente na sua disciplina e no seu ensino. Como afirma Natércio Afonso, “para os primeiros o que interessa é que os alunos aprendam, enquanto que para os segundos o que interessa é que a sua disciplina seja aprendida”. Poderemos dizer que se trata da influência da formação inicial, historicamente separada e com distintos referenciais de forte tradição.

In Relatório do CNE, A Educação das Crianças dos 0 aos 12 Anos, p. 119

Comentário

Esta é forte demais! Então as diferenças culturais entre os professores do 1º CEB e os professores do 2º CEB é que os primeiros estão interessados em que os alunos aprendam e os segundos apenas se interessam que os alunos aprendam a sua disciplina?

Depreende-se destas palavras que a cultura do professor do 1º CEB é melhor do que a cultura do 2º CEB e por aí fora. Será por haver ainda alguns professores do 2º CEB que têm uma formação científica de base universitária complementada por um estágio pedagógico? Mas esses são cada vez mais raros no 2º CEB! Há quase vinte anos que as Escolas Superiores de Educação formam professores para os 1º e 2º CEB! Seguindo esta lógica, o melhor seria transformar todo o ensino num enorme jardim-de-infância. Esta afirmação encerra uma visão de escola e de educação: a defesa de uma escola sem conteúdos e onde a transmissão do legado civilizacional, seja ele cultural, tecnológico, artístico ou científico, se dilua numa polifonia de funções sociais, assistenciais e cívicas. É a defesa do inócuo e vazio conceito de escola das competências ou seja lá o que isso for. Alguém sabe o que é? Encerra, também, um novo conceito de professor: um profissional que presta cuidados sociais e assistenciais. Não admira, por isso, que a ministra da educação veja com apreço a divulgação deste relatório. Veio mesmo a calhar! E o paradigma de escola e de professor que nele está plasmado é igualzinho ao que a ministra da educação tem vindo a implementar nestes últimos três anos.

Experiências com humanos

Investigadores defendem fusão entre o 1º e 2º ciclos do ensino básico

os investigadores que participaram no estudo do Conselho Nacional de Educação defendem uma alteração da organização do sistema educativo, com a fusão entre o 1.º e o 2.º ciclo do ensino básico,

As ciências sociais não são nem podem ser, por motivos éticos, ciências experimentais. Segue-se que não é possível refutar uma teoria através do método experimental. E não sendo possível refutá-la pelo método experimental, também não é possível refutá-la de forma clara e imediata por método nenhum. Os cientistas sociais deviam ser os primeiros a reconhecer as poucas certezas que existem sobre o conhecimento que possuem e a serem conservadores nas suas propostas práticas. Mesmo que eles acreditem que a fusão entre o 1º e 2º ciclos do ensino básico é desejável, porque raio é que propõem uma remodelação do sistema de ensino? Uma remodelação do sistema de ensino afecta toda a gente de forma involuntária. Porque é que não fazem uma proposta mais conservadora, limitada e com menos riscos de conduzir ao desastre? Por exemplo, porque é que não defendem liberdade de ensino que permita aos diversos sectores da sociedade experimentar de forma voluntária (e necessariamente limitada) as diversas propostas que existem sobre o assunto?

In “Blasfémias” por Joáo Miranda

Chamo-lhe a desfiguração da escola e da profissão docente

Reconfiguração da escola

À escola tem vindo a ser progressivamente atribuídas mais funções sem que, contudo, se tenha ainda registado um pensamento profundamente transformador. O conceito de “escola de espectro lato” como centro comunitário, polivalente, organizado numa perspectiva de abertura à sociedade e à aprendizagem ao longo da vida, com expressão já visível na Holanda, deverá constituir um referente a explorar até pela ligação que possibilita com políticas de formação de adultos, incluindo os próprios pais e também com políticas municipais numa lógica de “a cidade como escola”.

In Relatório do CNE, A Educação das Crianças dos 0 aos 12 Anos, p. 126

Comentário

Um ponto prévio: o Relatório do CNE é um excelente documento técnico. É um documento de trabalho que eu vou ter em conta nas minhas análises e reflexões embora discorde da concepção de escola básica e de professor que está presente na maior parte dos capítulos.

Quem ler o Relatório do CNE, sobretudo as conclusões e os capítulos escritos por Maria do Céu Roldão e Natércio Afonso, verifica que existe uma consonância muito grande entre a perspectiva de escola e de profissão docente defendida e posta em prática pela ministra da educação e as recomendações do Relatório. As conclusões e as recomendações finais reflectem o peso da opção por uma concepção assistencialista de escola e por uma perspectiva do professor como prestador de cuidados sociais. Os autores do Relatório do CNE falam mesmo em reconfiguração da escola e assumem, implicitamente, que as novas funções sociais, assistenciais e de guarda de crianças e adolescentes devem passar para o núcleo central da missão da escola e das funções dos professores. É por isso que concordam com o novo quadro de habilitação profissional para a docência, que estipula uma formação inicial de professores assente num 1º ciclo de 3 anos de formação em educação básica, seguido de um 2º ciclo de 2 ou 3 semestres, com vários perfis, um deles para formar professores generalistas para os 6 primeiros anos de escolaridade. Não parecem preocupar-se com o facto de o novo modelo de formação inicial ser um mosaico de generalidades que não permite que os diplomados saiam com uma sólida cultura científica e pedagógica. Não os preocupa, nem à ministra da educação, que o decreto lei nº 43/2007 de 22 de Fevereiro, que estabelece o novo quadro jurídico da formação inicial de professores seja uma clara violação da Lei de Bases do Sistema Educativo.

O ME prepara-se para aprovar o professor generalista para os 6 primeiros anos de escolaridade

O novo regime jurídico de habilitação para a docência (decreto lei nº 43/2007 de 22 de Fevereiro) introduz a figura do professor para o 1º ciclo e o 2º ciclo do Ensino Básico (Perfil 4), perfil esse destinado a formar professores para leccionarem simultaneamente o 1º ciclo do Ensino Básico e as áreas de Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia de Portugal e Ciências da Natureza do 2º ciclo do Ensino Básico, numa clara violação do artigo 8º, alínea b da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 49/2005), a qual refere que “o 2º ciclo de ensino básico se organiza por áreas disciplinares em regime de professor por área”. Ora, o Governo deveria ter proposto à Assembleia da República a alteração da LBSE e só, depois, ter aprovado o novo quadro jurídico da habilitação para a docência. Não o fez. É uma prática habitual neste Governo. Confortavelemente sentado sobre a maioria absoluta, o Governo do PS aprova decretos que violam, claramente, a Lei de Bases do Sistema Educativo. Depois da legislação às arrecuas, o ME dá um salto em frente e aprova decretos que violam leis. Depois há-de haver uma maneira de aprovar um decreto regulamentar e uma portaria e um despacho e, se não resultar, aprova-se mais um decreto regulamentar e assim por diante.