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Este deve ser “um momento para reflectir”, porque este “é um problema para amanhã”, “dentro de seis meses ou um ano o céu pode cair-nos em cima da cabeça e não há plano B”, aconselha Miguel Judas. Primeiro-tenente da Marinha à altura da revolução, membro da comissão coordenadora do Movimento das Forças Armadas (MFA) e membro do Conselho da Revolução, Miguel Judas considera que se vive “o final de um ciclo, o esgotamento de uma república”, que exige a fundação de uma nova.
“A crise é um acto político, um acto de governação falhado”, avalia Gonçalves Novo, coronel do Exército na reforma, era capitão da coluna das Caldas no ensaio de 16 de Março de 1974, fundador do MFA, actual membro da Associação de Oficiais das Forças Armadas. “Prevejo a existência de convulsões populares. As pessoas têm fome, os crimes de colarinho branco não são julgados”, vaticina.
“É muito natural que aconteçam [as convulsões]. E é bom que se tenha presente que não se resolvem à bastonada nem com repressão, mas à volta dos valores de Abril, por exemplo da solidariedade”, frisa Vasco Lourenço, tenente-coronel na reforma, membro da comissão política do MFA, actual presidente da Associação 25 de Abril.
“A democracia está doente”
“Há pessoas que exercem a liderança sem terem interiorizado um comportamento democrático. Salazar está vivo, somos muito ditadores. As pessoas no poder têm muitos tiques ditatoriais, criam cordões sanitários para as vozes divergentes”, analisa Andrade da Silva.
Manuel Monge é o mais optimista de todos: “Não comungo de análises catastrofistas sobre a actual situação económica/financeira muito difícil de Portugal e do mundo.”
“A democracia está doente”, diagnostica Vasco Lourenço. E pode ser posta em causa se “houver a veleidade de se tomar posições que façam prevalecer a segurança sobre a liberdade”. Recordando o que aconteceu na Grécia recentemente, com as revoltas populares, frisa: “Não estamos imunes, há condições propícias.” Em Portugal, tem havido, acrescenta, uma “incapacidade para implementar medidas no sentido da justiça social e dos valores de Abril”.
“A crise pode fomentar” a adopção de “medidas mais drásticas e mais gravosas”, das quais “os direitos do trabalho sairão combalidos”, acrescenta Andrade da Silva. “Corre-se um risco de implosão social grave e dessa implosão não ser dirigida por democratas”, alerta. “Em democracia não há implosões sociais. Poderia haver aventuras totalitárias, mas não na Europa do século XXI”, contrapõe Manuel Monge, um dos homens fortes de António Spínola na Guiné.
Liberdade sim, mas…
Liberdade é a primeira coisa que lhes vem à cabeça quando comparam o Portugal de hoje com o de 1974. Vasco Lourenço, coronel na reforma, desterrado para os Açores nas vésperas do 25 de Abril, membro da comissão política do MFA, actual presidente da Associação 25 de Abril, destaca que os três D (Democratizar, Descolonizar, Desenvolver) que se pretendia conquistar com o 25 de Abril são “um facto”.
Gonçalves Novo considera que “o esvaziamento político é perigoso”. “Mas, hoje, pelo menos podemos dizê-lo”, salienta, acreditando que enquanto houver um poder civil, em que os militares estão submetidos ao regime político, “os ideais de Abril estão salvaguardados”. “Temos liberdade, democracia e capacidade de decidir” e Abril continua no país, portanto, “embora com determinadas limitações”. “Pode não ser um 25 tão alegre como era, os tempos são mais difíceis, mas a essência mantém-se”, resume.
Todos apontam o dedo à política, independentemente de quem está no governo, independentemente dos partidos. E alargam a responsabilidade às empresas, aos sindicatos, às universidades, à sociedade civil, aos cidadãos. Todos são responsáveis. “Caímos no rotativismo, não há alternativas, só alternância”, descreve Andrade da Silva. E é preciso começar a assumir os erros. “Em Portugal, também há responsáveis pela crise. Nem tudo é importado, nem tudo vem de fora.”
“Os partidos políticos, de forma geral, falharam todos. São agências de emprego, de defesa dos interesses de facções”, diz Vasco Lourenço.
Isso não quer dizer que defenda a extinção dos partidos. “Não se conhece democracia sem partidos e não há sistema menos mau do que a democracia”, realça. “Procurar responsabilizar os partidos por tudo pode ser um caminho perigoso. Assim começam ou acabam alguns regimes”, salienta Manuel Monge.
Os partidos “são indispensáveis”, diz Gonçalves Novo, mas “não têm cumprido os programas”. Há uma “perversidade humana organizada, incorporada nos partidos”, sustenta Andrade da Silva, criticando que a política seja “um estágio para cargos de administração pública”. “É uma contaminação perniciosa e a democracia ganharia se não houvesse essa circulação de cadeiras”, diz. Miguel Judas realça que a liberdade não é um dado adquirido. “Hoje o pensamento não é livre, muito menos a voz. Já não há o medo do fascismo, mas há o medo de perder o tacho”, compara.
“A política tem vindo a piorar, bateu no fundo com Santana Lopes e com a cena da Base das Lajes”, avalia Vasco Lourenço. “Algumas políticas de hoje eram necessárias, mas não houve a preocupação de as conjugar com medidas de preocupação social”, acrescenta.
Mário Soares foi citado (e elogiado pela “clarividência”) por três dos capitães, enquanto Cavaco Silva foi duramente criticado por Andrade da Silva. “Muita coisa começou com ele [como primeiro-ministro] e agora critica”, recorda.
A justiça também já teve melhores dias, consideram. “O maior défice no nosso país é o funcionamento da justiça, no qual, infelizmente, a generalidade dos cidadãos não acredita”, lamenta Manuel Monge. “A justiça só existe para os que têm posses”, critica Andrade da Silva, exemplificando com o caso da tragédia de Entre-os-Rios, em que as famílias terão de pagar as custas da acção interposta contra o Estado.
O país “vive à conta de alguém”
A motivação do 25 de Abril não era a “impunidade dos poderosos”, nem a “desmotivação dos professores”, nem horas de “produtos tóxicos e mentecaptos” na comunicação social virada para “o negócio e o lucro”, nem a “chinezação” do trabalho sem direitos, nem que a corrupção se transformasse no “cancro nacional”, enumera Andrade da Silva.
A acrescentar à “falta de credibilidade”, há algo pior, na opinião de Gonçalves Novo, que assume ter votado no PS e em José Sócrates nas últimas legislativas. “Está-se a denegrir os cargos políticos, ferindo a dignidade do Estado.” Nas próximas eleições, o capitão de Abril não sabe se vai “votar em alguém”, até porque se identifica “sempre mais ou menos” com alguma coisa. Recorda, a propósito, um episódio curioso logo a seguir ao 25 de Abril. Deu-se ao trabalho de ler todos os programas partidários (“Até fiz uma quadro à mão, ainda não havia Excel”) e concluiu, com pena: “Fizemos uma revolução e não conseguimos arranjar um partido para mim.”
Miguel Judas lamenta que a opção que se fez após o 25 de Abril não tenha sido a de assegurar que Portugal viveria “à conta dos recursos próprios”. Hoje, o país “vive à conta de alguém” e deixar “nas mãos de terceiros a capacidade de comer” é “uma vulnerabilidade tremenda”. Prevaleceu “a opção social-democrata”, que apostou na integração europeia e “não tanto no desenvolvimento autónomo e soberano”, que “não era contraditória com a inserção mundial”.
“A social-democracia de tipo sueco era o modelo, porque tinha uma taxa de analfabetismo inexistente, liberdade de expressão, bem-estar”, recorda Gonçalves Novo. “Não estávamos a pedir mundos e fundos”, considera Andrade da Silva.
“Continuamos a não ter uma burguesia nacional que não viva à conta do Estado. Ela não tem condições para liderar o país. Não teve, nem terá”, sustenta Judas, falando em “corporativismo medieval” – cada um toma conta da sua loja e abre trincheiras para a defender, e nenhum governo entra nos seus castelos. “Este é o problema de algumas reformas deste governo. Era preciso mudar, mas se calhar era melhor não entrar de assalto, era preciso trazer as pessoas para fora dos castelos”, contrapõe.
“Tem sido uma festa, entrou muito dinheiro. E é claro que o povo beneficiou alguma coisa” com a adesão ao “sonho europeu”. Hoje temos “um povo anestesiado, conformado”, embora “de alguma forma satisfeito”, reconhece Miguel Judas. Os fundos alimentaram “o parasitismo das elites”, “os negócios, o enriquecimento fácil, as clientelas” e tudo isto foi tolerado porque “chegou algo à população”.
A factura há-de chegar e Miguel Judas acha que pode já não tardar muito. “A ruptura pode ser antecipada drasticamente no quadro da actual crise, que mostra que o sistema capitalista afinal não é seguro. E esta ruptura pode ser muito mais grave do que a que houve no 25 de Abril. Podemos estar em vésperas de algo muito mais complicado e descontrolado, sem um sistema de ideias mínimo (o MFA coseu uma série de perspectivas, tínhamos ideia de um caminho)”, compara Judas.
O que podem os cidadãos?
Miguel Judas fala em “bloqueamento democrático” nos partidos, num sistema político “caduco” e em “cidadãos atomizados”. “Não há renovação, o sistema reproduz-se a si próprio em circuito fechado, desligado das bases e da população”. Aliás, a política em geral está “bloqueada à emergência de ideias novas”, pois foi apropriada por “escassos milhares de cidadãos”, e os “espaços públicos” têm “dificuldade de emergência”. “Onde está a democracia participativa?”, pergunta.
“De resto, a malta assiste”, lamenta, considerando que “as listas de cidadãos não têm condições” para vingar, por falta de dinheiro e de recursos, mas também por falta de aceitação. Resultante das “muitas décadas de paternalismo”, frisa Manuel Monge.
“Não existe uma cidadania organizada” e a mudança não virá de dentro do sistema, diz Miguel Judas. “Movimentos como o de Manuel Alegre não mudam nada, porque estão dentro do sistema.” O que é preciso é uma “regeneração democrática”, que dê “notoriedade” ao povo. Hoje “só as individualidades têm peso, são sempre os mesmos que falam”.
O problema dos movimentos cívicos, corrobora Vasco Lourenço, é que “procuram um líder de imediato, o que estraga logo tudo”, independentemente da capacidade do líder”. Do “à volta das pessoas” temos de passar para o “à volta das causas”.
Andrade da Silva identifica outro problema. “Há muita gente a fazer diagnósticos, mas ninguém apresenta propostas novas, não avançam. Nisto o Presidente da República e o primeiro-ministro têm razão.”
A mudança, diz Judas, ou se faz por dentro do sistema, na qual não acredita, ou se faz por fora. E aí há dois caminhos: um projecto ou a rua. Judas já não quer saber da divisão entre esquerda e direita. “Não dou créditos a ninguém. A esquerda no poder é igual à direita. Há conservadores que pensam o interesse público e que são muito mais de esquerda do que muitos outros. Noutro dia li um texto de Adriano Moreira que cabe aqui.” Judas gostava era que viesse o tempo dos cidadãos interessados em reunir-se “independentemente dos rótulos e dos carimbos”, numa “base patriótica, democrática, moderna”, no espírito de Abril. E propõe um chapéu: a Associação 25 de Abril e os seus congressos da democracia. Isto “mantendo a perspectiva de ligação com o mundo, não há a ideia de uma quinta de trogloditas”.
De Abril temos hoje “a possibilidade de reunir e de falar. Por que não o fazemos?”, questiona Judas. “Com mais ou menos organização, mas pelo menos com ideias”, frisa. Se o caminho não for este, a mudança será feita nos “bairros”, num “movimento anárquico, vândalo, que vai querer resolver os problemas à sua maneira”. “As lutas serão travadas fora das instituições e ficarão à mercê dos líderes populares emergentes”, concorda Andrade da Silva, sublinhando que “o Governo comete um erro grave quando dá pouca atenção ao grito dos manifestantes”, porque “as pessoas podem ser conduzidas para situações de desespero ao aperceberem-se de que o modelo da rua se esgotou”.
Gonçalves Novo lamenta que nenhum militar no activo se possa candidatar a cargos políticos e que esteja em risco a garantia de que os serviços públicos continuarão maioritariamente nas mãos do Estado.
Gonçalves Novo defende uma “democracia directa” – já Eça de Queirós dizia que “os partidos estão demasiado afastados da população”. Vasco Lourenço diz que “a democracia directa não é a solução”, mas reconhece: “Devia haver mais interligação entre eleitos e eleitores e não fomos capazes de a fazer.” Andrade da Silva tem dúvidas sobre se é “a melhor solução”, mas defende “que os cidadãos se organizem conscientemente”. E mais clarificação política. Se há “liberais no PS e no PSD”, estes “deviam formar um partido à parte”. “Assumam e vão a votos. Isso já seria uma grande revolução organizacional”, acredita.
O país precisa de “deputados mais autónomos que possam fiscalizar a acção governativa e que não sejam veículos de transmissão partidária mas tenham compromissos de honra com os eleitores e com as promessas eleitorais”, defende Andrade da Silva.
“Gerir um processo de mudança” é aquilo que Abril tem para dar ao país de hoje, acredita Judas. “O 25 de Abril passou por aqui e está aqui. Mas há o falhanço da política, os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, uma sociedade cada vez mais injusta, a perda de direitos alcançados com anos de luta, a vontade de repressão, sinais políticos evidentes de que se quer atemorizar as pessoas, fazer uma democracia mais musculada”, analisa Vasco Lourenço. E, por isso, “às vezes apetece fazer outro” 25 de Abril, reconhece.
“Foi algo excepcional, provavelmente irrepetível. É preciso que agora o povo o faça”, convida Andrade da Silva. “O que vejo hoje assusta-me. Pessoas tristes, mal-dispostas, parecem pré-programadas com um chip, sem momentos para pensar. Há uma multidão de polidores de esquinas, de homens encostados para aí, nas tabernas, a beber, a jogar à sueca. A 25 de Abril de 1974, era um país de uma alegria transbordante. Hoje é um país pobre, não do ponto de vista económico, mas sobretudo cultural, moral, republicano e civilizacional”, recorda, saudoso, Andrade da Silva. “O D de desenvolvimento também era de desenvolvimento humano”.
“Começámos a fazer uma viagem, mas o ponto de chegada nem se vê com telescópio. O que está perto são os monstros marinhos, a corrupção, a mentira, a violência simbólica e prática dos governos sobre os cidadãos, capazes de engolir a caravela da liberdade”, descreve Andrade da Silva. Claro que são “perturbações conjunturais”, reconhece: “O 25 de Abril não está derrotado nem ninguém o derrotará. Envelhecemos mas não nos rendemos.”
Publico
Não poderia estar mais de acordo.
A Oligarquia expulsa após o 25 de Abril recuperou todas as suas armas, a sua influ^rncia ao nível do poder político e económico arrantando o nosso País para uma grave crise, ou crises, visto que estamos a contas com uma crise nacional e com uma outra Internacional.
O capital está unido com a oligarquia política que nos tem governados nestes últimos com o objectivos de nos retirar o fundamental da democracia.
O país vai definhando e uns poucos engordando tal como no tempo de Marcelo caetano.
Tudo na mesma…
O País está mais pobre, mais atrasado e uma faixa de políticos corruptos ocupam os lugares chaves de decisão ,
É necessário um outro 25 de Abril. É urgente. É necessário. Urge mudar, e não voltar a cair no erro.
A revolução é uregente e necessária.
Por Portugal.