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Pouco podemos esperar desta democracia. Chamam-lhe “representativa” mas, na verdade, pouco ou nada nos representa. Vivemos não numa comédia de enganos, mas numa tragédia de mentiras. Os conceitos morais, os princípios éticos foram pulverizados. Ainda agora, Fernando Lima, que fora destituído das funções de assessor para a comunicação social do Presidente da República, foi por este promovido. Recordemos que Lima, envolvido no caso das escutas em Belém, portou-se como o cargo exigia: defendeu o amo e senhor, notoriamente responsável pelo imbróglio. Fernando Lima é um jornalista abaixo do medíocre, cuja carreira é embaraçosamente surpreendente. Não possui méritos assinaláveis que apoiem ou justifiquem os lugares de chefia e de directoria por ele desempenhados. Sobre o caso já escrevi, no JN, dois artigos. Não desejo alongar-me mais: o assunto fede. Mas que esse fedor exala algo de nauseabundo e de pérfido, lá isso…
Sobrenadamos neste oceano glauco de pagamento de favores, de tranquibérnias de todo o jeito e feitio, de promoção de “yes men”, de percursos sombrios, de corrupção vulgarizada, de actividades pouco claras. Um fartote! Podemos afirmar que vivemos em democracia? Não.
Ainda há dias, no programa Prós e Contras, RTP1, de Fátima Campos Ferreira, ficámos a saber, uma vez mais, como os lídimos representantes da Justiça não se entendem. Não é novidade para ninguém que a Justiça, em Portugal, é inexistente. E que, como muita gente responsável declara, beneficia quem tem dinheiro e desmerece de quem o não tem. O bastonário da Ordem dos Advogados, o dr. Marinho e Pinto, tem desmontado, com invulgar coragem e rara audácia, os meandros em que a instituição se tem enredado. Não se esqueceu de dizer que nada aconteceu aos juízes que ofendiam a moral e a decência, nos amargamente famosos Tribunais Plenários, antes do 25 de Abril. Depois, muitos foram recolocados, com alegre leviandade.
Um país sem memória, ou que não cultiva a recordação das coisas, está irremediavelmente condenado. E, a propósito, não esquecer, também, o facto de o dr. Cavaco ter negado uma pensão à viúva de Salgueiro Maia, e não as haver recusado a ex-agentes da PIDE. Foi, aliás, durante a década cavaquista que a amnésia histórica se alargou, como ideologia dominante.
Nas Redacções dos jornais jornalistas de grande competência foram removidos pela incomodidade que representavam. A decadência da Imprensa portuguesa, o elevado grau da sua imaturidade, a ausência de carácter na maioria dos jornais decorre daí. Ramalho Ortigão, que foi nosso mestre, disse que, “para se escrever nas folhas é preciso ter ombros largos.” Queria dizer que o jornalista, para o ser e enquanto tal, tem de saber enfrentar as armadilhas, as velhacarias que a todo o momento se erguem no caminho dos profissionais honrados.
Pouco podemos esperar desta democracia, repito. Os Governos (este, então, bate recordes) estão repletos de pingentes encardidos, cuja noção de serviço público é igual à de um eguariço a açoitar as bestas. O Executivo Sócrates, depois de ganhar as eleições com margem relativa, começou, imediatamente, a tripudiar sobre o programa que apresentara, semanas antes, ao eleitorado. Chama-se falta de palavra. Todavia, parece que os portugueses já se habituaram a esta continuada indignidade. Um cavalheiro é acusado de crime e logo se descobre que auferia o vencimento de 6 700 contos, moeda antiga. Um outro, que escuma de ira, quando vai à televisão e o contradizem, vai receber uma reforma de 3 600 contos mensais, “adaptáveis” à inflação, por ter exercido funções públicas, durante seis meses!, num banco. O rol não pára. E só raramente estes casos, de absoluta imoralidade, aparecem nas primeiras páginas ou abrem os noticiários dos telejornais.
A nebulosa do viver português leva-nos a conjecturar as mais sinistras tropelias e a desconfiar de meio-mundo, enquanto o outro meio está de remissa. A Justiça não está ao nosso lado, ao lado daqueles que não dispõem de dividendos suficientes para pagar a um advogado dos grandes escritórios. A imprensa, de uma forma geral, ignora-nos e aos nossos dramas. O futebol serve muito mais o poder, depois de Abril, do que durante o salazarismo. Serve-o como entorpecedor das nossas energias e das nossas indignações. Estas, estão pelas ruas da amargura.
O eng.º Van Zeller, nobre figura, vem à liça e quase que impede a miséria dos aumentos. O dr. Constâncio, socialista e tudo, ergue, medonho e implacável, a sobrancelha direita, e proclama o mesmo ou pior ainda. José Sócrates anda de beijinho com o PSD e enfurece o CDS-PP, que se presumia o privilegiado. O Bloco está à espera. O PCP desconfia, como é seu estilo. O PS não é nem deixa de ser. Claramente, esta situação opaca e suja não pode continuar. Os portugueses têm sido comprimidos entre o que dois partidos desejam. Nenhum é melhor do que o outro. Mas já não somos o que éramos ou, acaso, sempre fomos assim…
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