Otelo: Se soubesse como o país ia ficar, não fazia a Revolução

Otelo Saraiva de Carvalho ouve todos os dias populares dizerem-lhe que o que faz falta é uma nova revolução, mas, 37 anos depois, garante que, se soubesse como o país ia ficar, não teria realizado o 25 de Abril.

 
Aos 75 anos, Otelo mantém a boa disposição e fala da revolução dos cravos como se esta tivesse acontecido há dois dias.

Recorda os propósitos, enumera nomes, sabe de cor as funções de cada um dos intervenientes, é rigoroso nas memórias, embora reconheça que ainda hoje vai sabendo de contributos de anónimos que revelam, tantas décadas depois, o papel que desempenharam no golpe que deitou por terra uma ditadura de 28 anos.

Essa permanente actualização tem justificado, entre outros propósitos, a sua obra literária, como o mais recente “O dia inicial”, que conta a história do 25 de Abril “hora a hora”.

Apesar de estar associado ao movimento dos “capitães de Abril” e aceitar o papel que a história lhe atribuiu nesta revolução, Otelo não esconde algum desânimo. Ele, que se assume como um “optimista por natureza”.

“Sou um optimista por natureza, mas é muito difícil encarar o futuro com optimismo. O nosso país não tem recursos naturais e a única riqueza que tem é o seu povo”, disse, em entrevista à Agência Lusa.

Otelo lamenta as “enormes diferenças de carácter salarial” que existem na sociedade portuguesa e vai desfiando nomes de personalidades públicas, cujo vencimento o indigna.

“Não posso aceitar essas diferenças. A mim, chocam-me. Então e os outros? Os que se levantam às 05:00 para ir trabalhar na fábrica e na lavoura e chegam ao fim do mês com uma miséria de ordenado?”, questiona, sem esconder o desânimo.

Para este capitão de Abril, o que mais o desilude é “questões que considerava muito importantes no programa político do Movimento das Forças Armadas (MFA) não terem sido cumpridas”.

Uma delas, que considera “crucial”, era a criação de um sistema que elevasse rapidamente o nível social, económico e cultural de todo um povo que viveu 48 anos debaixo de uma ditadura”. “Este povo, que viveu 48 anos sob uma ditadura militar e fascista merecia mais do que dois milhões de portugueses a viverem em estado de pobreza”, adiantou.

Esses milhões, sublinhou, significa que “não foram alcançados os objectivos” do 25 de Abril.

”Nunca mais punha os pés no quartel”

Por esta, e outras razões, Otelo Saraiva de Carvalho garante que hoje em dia não faria a revolução, se soubesse que o país iria estar no estado em que está.

“Pedia a demissão de oficial do Exército, nunca mais punha os pés no quartel, pois não queria assumir esta responsabilidade”, frisou.

Otelo justifica: “O 25 de Abril é feito em termos de pensamento político, com a vontade firme de mudar a situação e desenvolver rapidamente o nível económico, social e cultural do povo. Isso não foi feito, ou feito muito lentamente”.

“Fizeram-se coisas importantes no campo da educação e da saúde, mas muito delas têm vindo a ser cortadas agora outra vez”, lamentou.

“Não teria feito o 25 de Abril se pensasse que íamos cair na situação em que estamos actualmente. Teria pedido a demissão de oficial do Exército e, se calhar, como muitos jovens têm feito actualmente, tinha ido para o estrangeiro”, concluiu.

Portugal é de todos

Alegre lança slogan: Portugal é de todos

21h07m

Alexandra Marques

Alegre recusa dar acolhimento à vitimização do Governo face a uma Oposição aguerrida. “Não há problema em haver discussões fortes no Parlamento. Isso é próprio da democracia”, afirmou esta noite, num jantar com apoiantes.

Em cinco páginas de um discurso presidenciável, Manuel Alegre respondeu, no Entroncamento, às queixas de António Vitorino e Jorge Lacão ao comportamento hostil da Oposição, por ser natural que, em democracia, o debate parlamentar aqueça.

Depois de Jaime Gama assumir atitudes críticas e de moralização da vida política, evidenciando-se como possível candidato do PS a Belém, Alegre reaparece numa acção de apoio à sua candidatura nessas eleições de 2011.

Para dizer que o Parlamento deve olhar para os problemas dos desempregados, dos trabalhadores precários, dos reformados e dos jovens desencantados e sem perspectivas, “com uma cultura de negociação da parte de todos: governo e oposições”.

O discurso proferido pelo ex-deputado do PS – que obteve um milhão de votos em 2006 – foi dirigido a empresários, militares, funcionários públicos, professores, agentes judiciais e diplomatas, terminando com o apelo à esperança e à crença no Poder dos cidadãos, antes do “slogan” final: porque “Portugal é de todos”.

José Mário, Fausto e Sérgio “enfim juntos” em palco

Preparam um espectáculo conjunto, para estrear em finais de Outubro, a que foi dado o título Três Cantos e o subtítulo Enfim Juntos

A ideia é antiga mas não tinha sido concretizada. José Mário Branco, Fausto Bordalo Dias e Sérgio Godinho estão a preparar um espectáculo conjunto, para estrear em finais de Outubro, a que foi dado o título Três Cantos e o subtítulo Enfim Juntos. Um e outro resumem o que pode dizer-se desta reunião inédita. O primeiro fixa a diferença e a singularidade dos três cantores e compositores, há mais de três décadas com carreiras e estilos bem definidos no contexto da chamada música popular portuguesa; o segundo dá conta da novidade que é juntarem-se para construir um espectáculo a três vozes.

Não é a primeira vez que os três se cruzam em palcos. Em 1974, logo a seguir ao 25 de Abril, com José Mário Branco e Sérgio Godinho recém-chegados do exílio e Fausto prestes a lançar o seu segundo álbum, que começara a gravar em Madrid, fizeram os três parte do Colectivo de Acção Popular, criado na madrugada de 1 de Maio, que pretendia “pôr a actividade musical” ao serviço das enormes transformações sociais e políticas que começavam nesse mês em Portugal. Nesse período, houve vários concertos em que, com José Afonso e Adriano Correia de Oliveira, entre muitos outros (como José Jorge Letria ou Manuel Freire), subiram ao palco para cantar canções mobilizadoras.

Nos anos que se seguiram, cada um foi cimentando uma via muito própria para a sua música, a partir de uma mesma matriz popular e moderna: José Mário Branco explorando as potencialidades das contribuições corais e até sinfónicas, Fausto Bordalo Dias inovando na utilização do riquíssimo património da música de raiz tradicional e Sérgio Godinho aprofundando a ligação entre a música portuguesa e o universo do rock e da pop.

CD e DVD ao vivo

Mais recentemente, no disco O Irmão do Meio, de Sérgio Godinho, José Mário Branco fez com ele um dueto em Que força é essa. Isso foi em 2003. Em 2004, foi a vez de José Mário Branco convidar Fausto e Sérgio para duetos em canções do seu disco Resistir é Vencer, Fausto no Canto dos torna-viagem e Sérgio em Pão-pão. A participação estendeu-se também aos concertos de apresentação ao vivo do disco, Fausto em Lisboa e Sérgio no Porto.

Agora, concretizando uma ideia que vem já desses anos, os três estão a trabalhar em conjunto, com maior intensidade desde Abril passado, para um espectáculo que não pretende ser uma mera soma de partes. Em palco, deverão apresentar-se os três juntos, com um grupo de músicos ainda não revelado ou só com as suas guitarras, mas também em duo e a solo, cantando músicas próprias ou dos restantes parceiros. Ou talvez algum tema inédito, fruto deste trabalho conjunto que será gravado para editar em CD e DVD.

Os concertos Três Cantos, só hoje anunciados pela Vachier & Associados, que os promove, como “um encontro histórico” entre três “referências não só musicais mas também poéticas do que é cantar em português”, estão marcados para o Campo Pequeno, em Lisboa, a 22 de Outubro, e para o Coliseu do Porto, a 31 desse mesmo mês. Os bilhetes, segundo a mesma fonte, serão postos à venda já no dia 13 de Agosto, “nos locais habituais”.

Ípsilon

Os ausentes da indignação

E m dez anos, João Ubaldo Ribeiro foi duas vezes censurado, no nosso País, por um zeloso vigilante da moral. O grupo proprietário da cadeia de supermercados Jumbo, voltou a pôr, no seu Índex privado, A Casa dos Budas Ditosos, por sinal um belíssimo romance. Acusação: o livro “é um produto pornográfico”. Ubaldo é baiano, escritor importante, viveu em Portugal, e já foi distinguido com o Prémio Camões, valha isso o que valer. Em condições outras, a extraordinária proibição suscitaria, entre os “intelectuais” portugueses, um alarido de protestos, de abaixo-assinados, de repulsa, e a comunicação social seria levada a transformar a vergonha em causa.

Nada disso aconteceu. Os “intelectuais” portugueses andam tão exaustos de escrever livros maus, de participar em colóquios ridículos, debates patéticos, conferências inúteis no estrangeiro, que são indiferentes às minudências da solidariedade para com os seus camaradas. Neste caso, a João Ubaldo Ribeiro.

Que abstrusos critérios levaram alguém do Jumbo a apontar à execração o romance do brasileiro? Que conceito de “pornografia” possui o pequeno Torquemada de supermercado? E de que extraordinário poder dispõe, que iluminada noção de valores contém, com que espírito superior foi bafejado para assim atirar pedras a uma obra literária editada em numerosos idiomas? E, sobretudo, quem é ele? Esse “ele” não tem nome, como aqueles blogues que insultam, injuriam, mentem, caluniam com absoluta impunidade. Esse alguém, misterioso e, certamente, crudelíssimo, de olho feroz e ânimo comprometido com as trevas, usa uma “agência de comunicação” para revelar as suas tristes decisões. Não dá a cara: é um esboço de pessoa, um ser vago, estéril, arfante de gozo como todo o censor que se preza.

O romance foi proibido no supermercado e – insisto – que fizeram os nossos desenvoltos “intelectuais”? Limitaram-se ao silêncio que tem sido a capa da cobardia na qual se envolvem. Nelson de Matos, o editor, diz que tem recebido solidariedade de “gente grada”. Ninguém sabe, ninguém viu, como se canta no samba. Essa “gente grada” também não tem nome? Protesta por sussurro? Telefona-se com cauta indignação e voz baixinha? Então, e a APE, e a SPA, também andam meio aladas?

Ao longo dos últimos vinte anos temos assistido à mais vil das demissões daqueles que deveriam arriscar o ónus da sua pretendida importância. Habita, neste mutismo miseravelmente defensivo, uma viscosa e esgueirada indignidade. Claro que é uma imprudência, um perigo, um desafio alguém afrontar os poderes que se constituíram como as estruturas da sociedade. Porém, há ocasiões em que os “intelectuais” têm de estar à altura das circunstâncias – as próprias e as históricas.

Baptista Bastos no D.N.

As “agressões” a Vital Moreira como estratégia montada pelo PS para “abafar” o impacto do 1º de Maio contra o Governo.

As “agressões” a Vital Moreira como estratégia montada pelo PS para “abafar” o impacto do 1º de Maio contra o Governo.

Este ano não houve 1º de Maio.
Os trabalhadores não censuraram o Poder. Não se ouviu falar de contestação popular , das políticas anti-sociais do Governo.
O 1º de Maio de 2009 reduziu-se a …… Vital Moreira, notícias sobre Vital Moreira, notícias sobre pseudo agrassões a Vital Moreira.
Este é o PS que temos, manipulador, propagandista, carreirista.
O PS sabe que está a perder terreno para o PSD e para o BE.
Vital Moreira é um mau candidato para o PS.
Vital Moreira aparece como cabeça de lista do PS porque lhe foi dado um prémio pelo que escreve no Blogue “causa nossa”.
Mas é um candidato muito fraco. Vindo do PCP está velho e sempre foi contra a União Europeia.
A “agitação” na manifestação da CGTP visou criar um facto político – Vital Moreira logo falou na Marinha Grande! – e lançar uma cortina de fumo noticioso de forma a impedir que o clamor da revolta popular prejudicasse ,ainda mais, o Governo e o PS.
As televisões e os jornais deram à “agressão a Vital Moreira” todo o espaço noticioso.Inconcebível e só aceitável num País onde nada se passa e estas “notícias” são empoladas até à naúsea , para preencher espaço.
As reivindicações dos trabalhadores nem se ouviram tal o barulho “Vital Moreira”.
Um 1º de Maio de manipulação, de propaganda do PS.
Precisamente o que foi previsto e planeado pelo Governo e pelo PS.
É de grande ambiguidade a posição de Carvalho da Silva, que me parece que não esconde que quer dar o salto do PCP para o PS, como outros deram.
A posição de Carvalho da Silva é muito dúbia.
O pedido de desculpas ao PS mostra ou um Carvalho da Silva cooperante com o PS , ou já muito fraco na defesa dos interesses dos trabalhadores da CGTP, que lhe pagam e merecem um Secretário Geral mais combativo, mais activo.
Toda esta trama não passa de mera manobra de bastidores, perfeitamente organizada para manipular os media, para tentarem dar gás a um Vital Moreira que não está preparado para as eleições, que tem levado “empurrões” do próprio Sócrates e de Mário Soares.
E mostra o PS nos mesmos esquemas do costume, tentando sobreviver e para isso não olhando a meios.
Veja-se o excelente artigo do Prof. António Balbino Caldeira no blogue : www.doportugalprofundo,blogspot.com
Por tudo isto é necessário cerrar fileiras e acabar com o Governo PS.

Posto por José Maria Martins

Só Na República das Bananas!

Concessão de crédito à habitação caiu no primeiro trimestre
Bancos justificam subida dos spreads com aumento dos custos de financiamento
03.05.2009 – 11h36
Por Lusa
Adriano Miranda (arquivo)
“Há melhores condições nos contratos de crédito à habitação mais antigos indexados à Euribor, cujas prestações baixaram muito”, diz João Salgueiro

Os bancos que operam no mercado português assumem o aumento dos juros cobrados aos clientes nos novos empréstimos para compra de casa e justificam o movimento com o preço mais caro do dinheiro que contratam no mercado interbancário.

“Nos novos contratos as condições oferecidas pelos bancos não podem ser as mesmas devido aos custos de financiamento no mercado interbancário terem crescido bastante”, justificou à agência Lusa João Salgueiro, presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), reforçando que “ao preço a que estão a contratar [o dinheiro] os bancos têm que subir os spreads ”.

O presidente da APB disse no entanto que “há melhores condições nos contratos de crédito à habitação mais antigos indexados à Euribor, cujas prestações baixaram muito” graças ao recuo para mínimos históricos das taxas de juro.

A descida das taxas de juro beneficia todos os créditos contraídos com base em taxa variável, mas quem pretende agora contrair um empréstimo para comprar casa não vai poder tirar o mesmo proveito do recuo das Euribor, uma vez que os bancos subiram os juros cobrados nos créditos hipotecários.

A conclusão é do inquérito aos bancos sobre o mercado de crédito realizado pelo Banco de Portugal que regista uma restrição dos critérios de concessão de empréstimos, no primeiro trimestre, traduzida numa subida dos spreads praticados – uma situação que vai manter-se ou mesmo acentuar-se no decorrer do segundo trimestre.

A concessão de crédito à habitação em Portugal caiu no primeiro trimestre do ano, devido à “deterioração das expectativas quanto à actividade económica em geral e das perspectivas para o mercado da habitação”, refere o supervisor.

“Os contratos [de crédito à habitação] têm que estar ligados à Euribor porque são as regras, mas enquanto os bancos contratam financiamento a três ou cinco anos, as pessoas que compram casa fazem empréstimos de muito maior duração”, sublinhou João Salgueiro para explicar o agravamento das condições exigidas pelos bancos na atribuição de novos contratos.

Custos cobrados pelos bancos duplicam

A taxa de juro implícita aos contratos de crédito habitação em Fevereiro, calculada pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE) estava em Fevereiro último nos 5,315 por cento, face aos 5,669 por cento do mês homólogo em 2008, e a Euribor a 6 meses estava então nos 2,568 por centro contra 4,501 por cento de Fevereiro do ano passado.

De acordo com os dados do INE e considerando os valores do indexante a vigorar no período de análise o diferencial é de 135 por cento. Ou seja, os custos cobrados pelos bancos mais do que duplicaram em apenas um ano.

A agência Lusa contactou os 14 principais bancos que operam em Portugal e recolheu a opinião de alguns especialistas sobre a evolução recente do mercado do crédito à habitação, bem como as perspectivas que têm para o futuro próximo.

“Quanto à evolução futura do mercado, existem algumas variáveis que podem ter um papel muito importante na sua recuperação, nomeadamente as taxas de juro baixas e a própria competitividade do mercado”, antecipou o Barclays Portugal.

À Lusa, o Crédito Agrícola disse que “a única subida de spreads se deveu às condições de mercado e da concorrência e ao facto do Crédito Agrícola em 2008 não ter subido os spreads ”.

O banco Santander Totta afirmou que “este ajustamento tem sido mais visível a nível dos spreads mínimos, que estavam em níveis muito baixos há um ano atrás”.

Em Março de 2008 o spread mínimo no banco era de 0,29 por cento, e neste momento é de 0,70 por cento, representando um aumento para quase o dobro, segundo o Santander Totta.

Ana Drago denuncia abuso e intimidações do Ministério da Educação

A declaração política do Bloco esta semana foi dedicada aos recentes episódios de intimidação e abuso do Ministério da Educação nas escolas. A deputada Ana Drago falou da destituição do Conselho Executivo da Escola de Santo Onofre, da tentativa de incriminação dos professores de Fafe como sendo os mentores do protesto dos estudantes e do uso abusivo de imagem das crianças da Escola de Castelo de Vide num tempo de antena do PS.

Cobardia, prepotência e servilismo…


Interrogatórios a alunos indignam pais.
Inspecção-Geral de Educação acusada de incentivar “comportamentos denunciantes.”

Segundo a DGE ‘os interrogatórios foram legais na medida em que foram feitos a jovens maiores de 16 anos, imputáveis para fins penais.’

Pergunto,foram os alunos informados dos seus direitos, nomeadamente o direito a não responder ou a terem presente o encarregado de educação ou um representante legal? Estava alguém da direcção da escola, houve testemunhas isentas, saberiam os alunos que têm esses e outros direitos?
Julgarão os inspectores poderem, para o caso de imputabilidade penal, substituir-se aos tribunais?
Tanta coisa por explicar e tanta coisa a cheirar mal… Vergonha, mais uma, no período negro que atravessamos… Cobardia, prepotência, amedrontação e servilismo é o que me vem à cabeça…

Come Together

Plataforma em conferência de Imprensa

Mário Nogueira, em nome da Plataforma Sindical dos Professores, apresentou à Comunicação Social (3 de Abril, sexta-feira) as conclusões do encontro que durante a manhã reuniu representantes de todas as organizações sindicais de professores.

Em síntese, o secretário-geral da FENPROF e porta-voz da Plataforma apresentou as formas de acção e consulta aos professores que, logo a abrir o 3º período lectivo, se irão desenvolver:

Na primeira semana completa de aulas do período, entre 20 e 24 de Abril, decorrerá uma enorme operação de consulta aos professores e educadores de todo o país, com reuniões em todas as escolas ou agrupamentos que receberá a designação de Consulta Geral. Nestas reuniões apurar-se-ão as formas de acção para prosseguir a luta, far-se-á um balanço dos avanços que se obtiveram neste percurso e que resultados devemos exigir para a melhoria das condições de trabalho dos professores.

Em relação às formas de luta esta Consulta Geral aos Professores e Educadores sobre o Prosseguimento da Acção Sindical apurará da disponibilidade dos professores e educadores para a realização de uma manifestação nacional, em Lisboa, na semana que termina em 16 de Maio ou de outras formas de luta a concretizar na mesma data.
A justificação apresentada para esta data foi que “é a última semana antes da campanha eleitoral para as eleições europeias e não queremos que se confundam as coisas”.  Em relação a outras formas de luta, nomeadamente o recurso à greve, procurar-se-á igualmente “conhecer a disponibilidade dos professores”  e, neste caso, “sobre o tipo de greve a adoptar e o momento mais adequado para que se realize”.

Abaixo-Assinado pela suspensão
do modelo de avaliação

Foi ainda decidido pela Plataforma lançar um Abaixo-assinado com a exigência de suspensão, ainda este ano, do modelo de avaliação em vigor e de “renegociação da revisão do ECD, garantindo o fim da divisão da carrreira em categorias, a substituição do modelo de avaliação, incluindo a eliminação das quotas, a revogação da prova de ingresso, entre outros aspectos” e a exigência de se iniciar, desde já, a revisão do modelo de avaliação de desempenho. Foi igualmente acordado entre todas as organizações o envio de uma carta ao Governo, na pessoa do Primeiro-ministro, questionando a suspensão unilateral da negociação. Recorde-se que após as organizações sindicais terem apresentado as suas propostas o Ministério da Educação se remeteu ao silêncio, suspendendo, na prática, todo o processo negocial, numa atitude de inqualificável desprezo pelos professores e pelas suas organizações.

Foi ainda sublinhado neste contacto com os jornalistas o extraordinário património de luta dos docentes que há 3 anos lutam contra esta equipa ministerial e contra este Governo suportado por uma maioria parlamentar. E ficou um compromisso – não desbarataremos este património.

Em jeito de pré balanço da actividade deste Governo e desta equipa ministerial Mário Nogueira foi lapidar:
“A 12 de Março completaram-se 4 anos desta governação e já podemos dizer que esta equipa fará parte da ala mais negra dos governantes que até hoje passaram pelo ME”. / M.G.

Métodos Pidescos em Democracia

Vários meses depois de a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, ter sido recebida com ovos, a Inspecção-Geral de Educação (IGE) foi ouvir os estudantes, maiores de 16 anos, da Escola Secundária de Fafe. A Associação de Pais contesta o método de interrogatório que, diz, incentiva a um “comportamento denunciante” e “é absolutamente inconcebível depois do 25 de Abril”. Os pais já enviaram cartas ao procurador-geral da República, ao provedor de Justiça e aos grupos parlamentares. A IGE assegura, através de ofício, que nada de ilegal ocorreu.

O protesto que deu origem às averiguações da IGE ocorreu em Novembro. Maria de Lurdes Rodrigues dirigia-se a um edifício próximo da Escola Secundária de Fafe, para participar numa sessão de entrega de diplomas do programa Novas Oportunidades, quando cerca de 200 alunos se aproximaram, vaiando a ministra e arremessando ovos contra as viaturas oficiais. A ministra nem chegou a sair do automóvel e a manifestação não durou muito, ao contrário das consequências, que se prolongaram no tempo.

O conselho executivo da escola, os pais e as associações sindicais vieram a terreiro criticar a forma como os estudantes protestaram contra o estatuto do aluno. Mas nem assim os ânimos serenaram. Vinte quatro horas depois, em Baião, miúdos armados com ovos esperaram por um governante que não apareceu. E, dias mais tarde, era a vez de os secretários de Estado Jorge Pedreira e Valter Lemos serem alvejados com ovos e tomates, em Lisboa, ao que reagiram dizendo não acreditar que as manifestações fossem espontâneas.

“As perguntas feitas aos alunos permitem-nos deduzir que é isso que pretenderão provar — que eles foram manipulados, nomeadamente pelos professores”, comentou ontem, em declarações ao PÚBLICO, Paulo Nogueira Pinto, ele próprio docente (noutra escola) e pai de uma das alunas interrogadas pelo inspector da DGE. “Como é que souberam que a ministra vinha a Fafe? Quem é que se lembrou de fazer a manifestação? Os professores deram aulas? Marcaram faltas a quem não esteve na sala? Como é que os alunos saíram da escola? Estava algum funcionário à porta?”, desfia Nogueira Pinto, exemplificando perguntas a que a sua filha, aluna do 10.º ano, teve de responder.

Segundo diz, ela foi escolhida “de forma mais ou menos aleatória”. Estava a terminar uma aula de Educação Física quando o inspector pediu ao professor que lhe indicasse alunos com 16 anos ou mais. “Ela fazia parte do grupo e, como já tinha acabado os exercícios, foi indicada ”, explicou.

Nogueira Pinto diz não duvidar da veracidade do esclarecimento da DGE que, em resposta à sua reclamação, informa que o interrogatório foi legal na medida em que foi feito a jovens maiores de 16 anos, imputáveis para fins penais. Insiste, no entanto, que, “do ponto de vista ético, o método é profundamente incorrecto”.

Aquele pai contesta o facto de a aluna, de 16 anos, ter sido levada para uma sala que não conhecia para ser interrogada durante cerca de uma hora, e também o facto de, na sua perspectiva, ter sido “incitada a acusar e denunciar pessoas, nomeadamente os seus professores, pelos quais se espera que tenha respeito como figuras de autoridade”. “No fim, fizeram-na assinar uma folha com a suposta transcrição das suas declarações, feitas por uma pessoa que a DGE identifica como sendo o secretário do inspector”, relatou.

O presidente da associação de pais, Manuel Oliveira Gonçalves, diz que mal foi alertado para o que estava a acontecer, durante o mês de Março, se dirigiu ao conselho executivo, que disse desconhecer como estavam a ser escolhidos os alunos e como decorriam as audições. E que, por isso, auscultou alguns dos estudantes ouvidos, cujos relatos coincidiam com o da filha de Nogueira Pinto.

“Assim como criticámos os alunos pela forma como se manifestaram, agora questionamos a legalidade e a legitimidade de um interrogatório deste tipo”, afirmou ontem Manuel Gonçalves. Não se considera “satisfeito com o esclarecimento” dado a Nelson  Nogueira Pinto. “Por um lado, custa-me a crer que seja legal. Mas, ainda que assim fosse, não é legítimo. Eu nem queria acreditar que isto estava acontecer, tantos anos depois do 25 de Abril”, comentou.

O PÚBLICO contactou o vice-presidente do conselho executivo da escola, Rui Fonseca, que, dando conta da ausência do presidente, não quis comentar o assunto, alegando desconhecer pormenores. Também o Ministério da Educação, através do assessor de imprensa, Rui Nunes, se escusou a prestar qualquer esclarecimento.

Publico

Num Portugal que deveria ser democrático continuam-se a praticar os métodos pidescos de denuncia e de coercção de modo a obter informação. Neste caso foram inquiridos por método pidesco alunos com o objectivo de apurar se houve planificação dos actos por parte de professores.

É triste, é vergonhoso.

Intervenção de Ana Drago na sessão solene dos 35 anos do 25 Abril


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Celebramos hoje o dia em que a liberdade chegou porque esse dia nos define e identifica – reconstitui a história das nossas vidas. A história de muitos que lutaram para que esse dia fosse possível, mas também a história de muitos que não viveram esse dia, que chegaram depois – em nome deles e no nosso, aqui, assinalamos a data fundadora da sua expectativa de liberdade, autonomia e justiça.
A modernidade política e cultural inaugurada por Abril mantém-se como espaço de vontade e de acção. Renova-se como compromisso a cada dia, na sua dupla dimensão de ideal e de vivência. Celebramos-nos hoje como comunidade política constituída em torno da ideia e da prática democrática. Sabendo que a democracia não se resume a um arranjo institucional – a democracia é, será sempre, esse dispositivo revolucionário de subversão das desigualdades de poder, essa busca de uma autonomia solidária que marca as almas dos homens e das mulheres nas suas vidas, na nossa história.
Sabemos que esse compromisso mantém a sua capacidade transformadora. E hoje, de novo, precisamos de fazer apelo à sua força – à força da vontade democrática – para responder à incerteza e às dificuldades do presente.
Partimos de uma evidência imponente – o paradigma político seguido em Portugal nas últimas duas décadas falhou. A equação seguida por diferentes maiorias políticas, com vários nomes e diversos protagonistas, escrevia-se a três tempos: advogava-se o alargamento sem limites do espaço de intervenção do mercado, seguir-se-ia a criação acrescida de riqueza, e no fim, porventura, alguma distribuição. Os erros e o falhanço clamoroso desta equação estão comprovados – chamamos-lhes crise. A brutal crise económica e social mostra a sua face verdadeira, porque mostra as suas vítimas – o mercado gerou mais desigualdade social; manteve níveis inaceitáveis de pobreza persistente que se reproduz nas mesmas famílias e nos mesmos estratos sociais, de geração em geração; gerou apropriações indevidas de bens públicos; e favoreceu o crescimento desmesurado do desemprego, que paira hoje como chantagem e medo sobre quem trabalha.
A expansão do mercado como filosofia societal trabalhou, portanto, para o estreitamento do espaço público, para o estreitamento da democracia. O modelo liberal não ficou “aquém das expectativas”, não foi a sua suposta “ética” traída por alguns agentes de mercado. Não. Falhou redondamente – e não pode ser “consertado”. Tem que ser abandonado, substituído por outro.
Precisamos de um outro modelo de desenvolvimento, precisamos de um novo paradigma de governação democrática. O país sabe-o.
Sabem-no os homens e mulheres que todos os dias fazem os serviços públicos. Sabem que nas escolas, nos hospitais, nas instituições de apoio social, onde trabalham todos os dias, há uma crise que tem décadas e que se vive quotidianamente com o desinvestimento público. Sabem que há um discurso opressivamente dominante que favorece sempre a deslegitimação da coisa pública e a menorização da República. Sabem que as desigualdades lhes entram todos os dias pelas portas adentro, que esse é o défice democrático – a democracia por cumprir – e que têm cada vez menos instrumentos, porque aos serviços públicos se impôs uma mimetização da lógica de gestão do mercado, que escarnece do próprio conceito de direitos sociais. E sabem que a democracia está açaimada, estreitada e vigiada, quando os seus protestos em nome da dignidade do serviço público são sempre menorizados e enxovalhados, como se as suas vozes cidadãs fossem ruído.

Sabem-no também os homens e mulheres que se juntam à porta das fábricas que fecham, uma noite atrás da outra, guardando as máquinas que podem ser roubadas e onde faziam o trabalho que lhes foi roubado. Sabem que esta crise, agora anunciada como nova, se vem apenas somar a uma crise velha, que pesa sobre as suas vidas há demasiado tempo. Sabem que, antes da grande crise internacional, já em Portugal se batiam records nos números do desemprego. Quem vê aumentar os dias de “layoff”, quem conhece o significado de “despedimento colectivo”, “deslocalização” ou falência, sabe que não pode contar com os poderes públicos. Em Dezembro de 2008 as dívidas aos trabalhadores chegavam aos 191 milhões de euros em salários atrasados, indemnizações não pagas e horas extra por pagar. Em 2008 os processos de falência e insolvência foram 3.344, mais dois terços do que no ano anterior. Os despedimentos colectivos aumentaram 50% em 2008. E é a própria Autoridade para as Condições de Trabalho que reconhece que não tem nem meios, nem cobertura legal suficiente para combater os falsos recibos verdes e o trabalho precário. Empresas que tiveram apoios estatais fecham portas e abandonam o país sem que lhes sejam pedidas contas. Os empresários mais ousados anunciam despedimentos “preventivos” e, de novo, nada acontece. Os homens e as mulheres do trabalho sabem que quando o desemprego atinge os níveis actuais se vivem os tempos do medo – que cancela a democracia quando cancela os seus direitos, escritos em letra de lei, mas suspensos na prática da vida.
Os portugueses sentem que o espaço democrático das suas escolhas, da participação e do controlo democrático, está estreitado, tornado irrelevante, no que verdadeiramente conta. Sabem que escolhas públicas estratégicas para o futuro do país nascem vergadas a interesses privados. Sabem que a política das últimas décadas permitiu a construção de um sistema que prima pela opacidade e pela não prestação de contas, onde os dinheiros sujos são escondidos em sociedades anónimas, em offshores, em tráficos ilegais. Sabem que estão a ser expropriados dos seus direitos e da sua cidadania pela linguagem higienizada do mundo económico – deixaram de ser trabalhadores, são “colaboradores”; já não despedimentos, há “ajustamentos na estrutura das empresas”; já não há encerramento de fábricas, há “deslocalizações”; até quando a economia e o seu poder de compra encolhe mirra, dizem-lhe que há “crescimento negativo”. O poder exerce-se assim branqueando a injustiça e o sofrimento que causa, camuflando a sua violência social, negando voz e o próprio nome de quem domina.
São os homens e as mulheres, os trabalhadores, que fazem a riqueza deste país – que construíram a democracia. Cada direito social foi por eles conquistado e, pelo seu trabalho e a pela sua solidariedade tornado possível. Não aceitam, os portugueses não aceitam ser expropriados desses direitos que são a sua vida democrática, e silenciados como se de incapazes se tratassem. Não querem – os portugueses não querem mais a tutela de uma política que não assume, nem aceita as suas expectativas de um país assente na justiça social.
Os portugueses não aceitam a duplicidade de uma espécie de política social milionária para o sistema financeiro a par de uma política miserabilista nos apoios sociais aos cidadãos. Não aceitam que se protejam bancos falidos, que se dêem prémios e perdões aos homens de negócios de sempre, e que, no mesmo país, quase metade dos desempregados não tenha acesso ao subsídio de desemprego. Os portugueses – essas mesmas gerações que construíram com o seu trabalho e a sua vontade a democracia portuguesa nos últimos trinta anos – não aceitam que os seus filhos entrem agora na vida activa com o estatuto de eternos precários, à margem dos direitos e da dignidade do contrato social. E que essa precarização da vida se transforme em lei, com o novo Código do Trabalho.
Não aceitam a multiplicação de discursos inspirados de combate à corrupção que redundam, vez após vez, num profundo imobilismo político. Sabem que basta fazer o óbvio – criar os instrumentos para seguir o rasto do dinheiro. É por isso que o debate e as iniciativas sobre o fim do sigilo bancário não podem vacilar sob as pressões, mais do que esperadas, e aliás dos mesmos que sempre nos disseram que podíamos confiar na bondade do capitalismo de casino. Fazer essa ruptura no combate à corrupção é hoje central para a relegitimação da actuação dos poderes públicos – é central para reganhar o espaço democrático.
Senhor Presidente, senhores deputados, senhores magistrados, meus senhores e minhas senhoras, a Justiça exige a serenidade e confiança que tanto têm faltado nos tempos recentes e que são a condição da democracia. Um país sem Justiça é um país desesperado: Portugal precisa da refundação do seu sistema de justiça, tanto no combate ao crime económico como no acesso dos cidadãos ao tribunal para defenderem os seus direitos.
Reconhecer a crise não pode ser, portanto, um pro forma, como se de um mera frase de conversação se tratasse. Reconhecer a crise é perceber a falência e, consequentemente, o fim do modelo de desenvolvimento de matriz liberal. E apontar os culpados e as formas de os derrotar e substituir.
Pensar que se pode conter a crise reduzindo os direitos sociais, pisando o direito ao trabalho e no trabalho, é recusar perceber como aqui chegámos. É que foi a política dos baixos salários e das pensões de miséria, imposta ano após ano, que nos conduziu aqui mesmo, à crise – à explosão desenfreada do crédito, ao endividamento das famílias, à pobreza que se reproduz, ao abuso como forma de ter. É esse eufemismo chamado “contenção salarial”, associado à precarização generalizada das relações laborais, que nos tem mantém presos no mesmo sítio de sempre – uma economia dependente, assente em baixos salários esperando que sejam eles a pagar os custos da sua fraca competitividade.
Pensar que se pode conter a crise sem impor regras de controlo e transparência ao mercado, mantendo a opacidade dos movimento de capitais e o privilégio fiscal dos ganhos em bolsa, já não é sequer não perceber a crise – é querer mantê-la como garrote da democracia.
Pensar que se pode ultrapassar a crise entregando a gestão dos bens públicos e a produção de bem-estar social uma vez mais nas mãos dos mercados – mesmo quando esse mercado aparece transvestido de “sociedade civil” – é aprofundar o défice democrático.
A legitimação das políticas públicas só se fará pela reafirmação dos direitos sociais – que são sempre, sempre processos de limitação do poder do mercado, e de desmercadorização de bens fundamentais à vivência de uma sociedade.
A legitimação das políticas públicas só reganhará alento se deixar de desconfiar da participação dos cidadãos. É aí que tudo se disputa: na confiança na vontade colectiva de um povo que recuse ser arrastado para a crise.
Trinta e cinco anos depois do 25 de Abril, lembro a esperança e a exigência: cidadãos que somos e não súbditos, levantamo-nos para retomar a luta pela justiça, contra o défice democrático e o défice social. Viva o 25 de Abril.

…discurso de vinte e cinco de abril 2009, assembleia muncipal covilhã…

“Muitas vão suspender, mas eu vou aguentar nem que tenha de pedir para ir trabalhar, se quiserem, despeçam-me”, cito a vivência e o testemunho de Anabela Vicente. “É muito complicado querer dar de comer aos nossos filhos e não termos’, cito a vivência e o testemunho de Lídia Clemente, vivências paradigmáticas da ausência de pão, da ausência de terra, da ausência de quotidiano… Testemunhos paradigmáticos do cortejo condenado dos oitocentos trabalhadores, na sua maioria mulheres, com salários em atraso nas confecções da cova da beira. Em cima de suas cabeças conta é a certeza da pena do tombar no olho da rua. No espectro das “fábricas de morte” paira a condenação ao dia da refeição e não à refeição do dia.
Dos representantes da classe dirigente local, o bem nutrido registo infame da ataraxia; a acústica da resposta ignóbil do desprezo, da indiferença, o resgate da absolvição subversiva. O descarado, mas não novo, eleitoralismo da refeição em troca de um euro, a formula perversa de mobilizar.
Mas de que lado estão estes senhores neste processo grotesco?
O monolítico poder local compromete-se contra tudo isto, burla a verdade, porque o benefício do primeiro milho é sempre engordar a galinha do vizinho. Compromete-se contra o trabalho de que cada mulher e homem são depositários. Contra a sua mais básica necessidade. Compromete-se contra a marca da sua dignidade – o trabalho – usurpando o seu poder à auto-determinação.
O monolítico poder local, que se deveria comprometer com o desenvolvimento de toda uma população, forja na economia doméstica “virtuosas” dívidas de 88 milhões de euros… oitenta e oito milhões de euros de “virtude” … afinal os tempos também deram uns retoques no próprio conceito de “virtude”. Esta dissimulada economia doméstica, completamente falida e incoerente, “virtuosamente” estéril, escandalosa na sabotagem nos sonhos de vida e de futuro de um povo.
Dos cavalheiros representantes da classe dirigente nacional a impostura, tacitamente velada, do reconhecimento da inevitabilidade do desemprego, 484.131mil inscritos no Instituto do Emprego durante o mês de Março em Portugal, na sua grande maioria mulheres, e a Covilhã acompanha este número na sua percentagem máxima.
Os cavalheiros representantes da classe dirigente nacional administram o país em seu nome, dissimulam a necessidade de se manterem no seio da impostura, longos passos se dão para alimentar banqueiros, estas figuras paradigmáticas, que na sua autópsia revelaram nas entranhas a absolvição da má gestão, do roubo descarado, dos milhões da corrupção.
Engenheira é vassalagem da classe dirigente nos fundos, dos nossos impostos, que debaixo da sua albarda, nos recolhe e lhes dispensa em linha recta.
Engenheira é a vassalagem, que se transforma em nada, que amortece na conjuntura internacional a falta de responsabilidade, o desnorte da má governação.
Engenheira é a corrida desenfreada para o auditório do poder que descarta no seu catecismo a clave da miséria económica e social, dos magros salários, suavizada nos arrebates eufemistas das rasteiras da propaganda, mais um penalty que afinal não era penalty.
Engenheira é a pestilenta incompreensão de como a proletária autonomia e a proletária vontade de vencer é forte e honesta.
Tombam nas ruas de Abril as reivindicações pelo trabalho, tombam no arbítrio da liberdade.
Duzentos postos de trabalho em risco no Tortosendo. Estão em dívida 40 por cento do salário de Fevereiro e o salário de Março, bem como metade do subsídio de férias e do subsídio de Natal de 2008.
Foi este povo trabalhador que teceu e transformou pelo seu trabalho a operária liberdade, e hoje, nas ruas de Abril, já se cunha a sua nostalgia póstuma!
Mas este povo é manso!
Tarda na insurreição operária!
Tarda a guerrilheira reivindicação do trabalho como um direito!
Tarda a desabrida vontade de tomar o aeroporto e ocupar a rádio!
Há qualquer coisa de bafiento no epicentro da esfinge podre deste poder, que na nossa cidade determina o que vai acontecer, mestres nas piruetas e nos artifícios da circunstância e da pompa que em altitude se iluminam, adulados, venerados e bajulados por espantalhos. Podre poder automaticamente poderoso que se entranha e insiste no desenfreio do florescimento do mercado imobiliário, que vai-se lá saber porquê, esta insistência não corresponde à procura real de habitação na cidade. Vai-se lá saber porquê!
No reservado da soberania monolítica do poder local, onde se soltam gargalhadas, tiraniza-se ao exílio a identidade de uma cidade, abandonam-se centenas de casas na zona histórica da cidade. Bairros que fizeram história, agora territórios condenados, que anunciam, numa nova era de descontinuidade paradigmática, o fim da alma e a marca da dignidade. Investe-se na propaganda de “salvadores da urbe”, onde todos os compromissos assumidos com as gentes se transformam em menos que nada, neste universo partido mutila-se uma cidade ao serviço da vontade de clientelas. No escalpe da toponímia da cidade nascem elevadores de vã glória, as pontes de vã de eternidade, templos do vão consumismo, promessas vãs de felicidade.
A vida é bela e agradável, para os mesmos beneficiários de sempre, os privilegiados de classe.
Há qualquer coisa de bafiento no ar que aqui já não se consegue respirar, os ares da globalização, do desenvolvimento, das obras “extruturantes”, do cosmopolitismo saloio.
A diferença é expurgada nesta cidade, na política do pontapé, no repertório passional trauliteiro, carroceiro e calhoeiro, varre-se deste concelho quem olhe de esguelha o servilismo lacaio do regime. Escorraçam-se os legítimos opositores democráticos, censuram-se artistas e intelectuais opositores. Vinga esta cultura de patrocínio autárquico, atolam-se os inventores de novas formas de democracia, de novas armas consistentes de libertação.
O medo faz caminho, o medo de não arranjar e o medo de perder o emprego, o medo de serem substituídos por outros mais “empenhados” e mais “praticantes”, o medo de não conseguir a licença da Câmara, o medo da marginalização, o medo das garras disformes da justiça… o medo de perder a cunha para o lugar num lar de idosos… o medo… o medo… o medo de quem não joga com as cartas viradas para cima. O medo de aplaudir quem se compromete e de quem não amocha, o medo de aplaudir o cidadão da esfera livre, denunciado e serpenteado, pela ignorância do regime, como nocivo para os “crentes”. A ignorante nostalgia da dominação do passado.
Mas este povo é manso!
Tarda a guerrilheira dignidade de abrir livros proibidos!
Tarda a guerrilheira vontade de atravessar a rua!
Tarda o relâmpago da liberdade!

“A DEMOCRACIA É UMA POTÊNCIA E NÃO UMA FORMA”

Começam já a travar-se por toda a parte, neste mundo fora, novas lutas por novas vidas… vidas alternativas … irrompem, por vezes de forma sofrida, novas forças criadoras… alternativas formas de mobilização… novas formas de autonomia além desta sanguessuga forma de fazer trilhos na história… novas formas, não de mera resistência, mas capazes de construir novas moradas insubmissas ao império do dinheiro… começam já a travar-se já por toda a parte, neste mundo fora, inversões de lógicas que arrendaram o povo do direito a decidir o seu próprio destino… irrompem, por vezes de forma sofrida, novas formas criadoras… alternativas formas de dar lugar à consolidação humanidade… novas formas de legitimar um poder alternativo, quando o actual está gasto…
“As cidades transformar-se-ão ao mesmo tempo grandes depósitos de humanidade cooperante e em locomotivas de circulação, residências temporárias e redes de distribuição de massa para a humanidade livre.”

Ana Maria de Jesus Monteiro
Deputada Municipal – Covilhã

O 25 de Abril e a crise

Há trinta e cinco anos derrubou-se o muro que nos impedia de sair de uma guerra ignóbil e nos prendia na nossa própria pátria.

Durante dezanove meses, neutralizada a repressão pelo poder material e pela força moral do MFA pressionado por um vigoroso movimento de soldados, a revolução social foi impondo políticas com uma orientação geral favorável às classes trabalhadoras.

Para tal, retiraram poder aos senhores da terra, aos chamados capitães (que nome para tal coisa!) da indústria e da finança, enriquecidos à sombra da política do fascismo, protegidos pelos crimes da PIDE, da legião e das outras forças de repressão.

O alcance de algumas das conquistas, assim devem ser chamadas pela resistência raivosa que os antigos senhores lhes opuseram, indo até ao terrorismo bombista, foi de tal monta que durante esses meses a vida dos nossos concidadãos tinha sofrido uma mudança total.

A alegria de viver, a ocupação do espaço público pela cidadania activa, o acesso de milhões a bens materiais e culturais com que nunca tinham sonhado, transbordou das fronteiras e mobilizou milhares de homens e mulheres por essa Europa fora. Portugal foi o ponto de encontro e de permuta de novos ideais, lutas, aprendizagens e saberes. Portugal era o centro do mundo para todos aqueles e aquelas que ansiavam por mudança transformadora, por paz, liberdade e justiça social, socialismo, que tinham sonhado durante o Maio de 68 e de que viam agora, neste pequeno rectângulo, não só um sinal anunciador mas, mais que isso, como realidade em movimento.

O Portugal das navegações impossíveis renascia depois de séculos de vil apagamento, de 50 anos de ditadura fascista e de 13 anos de guerra desgastante, inglória, criminosa e sem saída. E renascia virado ao futuro, de novo audaz e poderoso, menos pela fraca força material que pela explosão de vontade libertária do seu povo.

«E a orla branca foi de ilha em continente/ clareou correndo até ao fim do mundo/ e viu-se a terra inteira de repente/ surgir redonda do azul profundo* A «Mensagem» agora era outra, não a de um império que só podia ser caquético, mas como anúncio e afirmação da liberdade como essência da vida dos povos. Da Europa à Ásia, de Portugal a Timor, do continente às ilhas, saltando para o Brasil e o Chile, a Argentina e o Uruguai, Salvador e Nicarágua, de novo o Novo Mundo. E onde ela estiolava, na sujeição a bárbaros ditadores lacaios do império norte-americano, o eco da revolução portuguesa reacendeu a chama da esperança, proclamou a possibilidade de mudança, convocou pessoas e classes, ajudou a rasgar o cobrejão com que os poderosos queriam tapar a realidade, expondo-a na sua brutal evidência de dominação e exploração. Lutas heróicas reforçaram-se, lutas heróicas despertaram,. A América Latina esboçava já aquilo em que está agora a tornar-se: o alfobre de uma possível alternativa ao sistema do império.

Na vizinha Espanha a ditadura assassina de Franco ponderou intervenção militar, tremeu e veio a esboroar-se numa transição apessoada, pela influência da revolução portuguesa.

A democratização política associada à democratização da propriedade da terra e a uma economia gerida por critérios de justiça social, imposta pela acesa luta pela igualdade, foi o cerne da revolução social portuguesa, a revolução do 25 de Abril. Esse era o caminho reclamado pelo povo em movimento que chamou socialismo, e bem, à garantia da prioridade do serviço público provido pelo Estado, democraticamente estruturado na representação política da vontade dos cidadãos e sujeito ao permanente escrutínio da participação popular.

A nacionalização da banca, da energia, dos transportes, ou seja dos sectores fundamentais que determinam o rumo da economia e o direccionamento do produto do trabalho do país e sua distribuição, levados a cabo com grande entusiasmo e eficiência, tiveram precocemente um efeito de boomerang num país em que as forças que era suposto estarem vocacionadas para apoiar a luta e os anseios populares estavam amarradas por dogmatismos e sectarismos vários, quando não em reaccinária obediência geoestratégica às potências que disputavam a hegemonia mundial como foi o caso do PS e do PCP.

A história é relativamente bem conhecida e, principalmente, bem sofrida.

A revolução «impossível» deu lugar ao mercado como medida de todas as coisas incluindo a democracia. A plutocracia instalou-se bem maquilhada e apoderou-se do país, do seu corpo e do seu espírito. A alegria e a ousadia do PREC transformaram-se no «medo de existir» de «Portugal hoje»**. O serviço público foi sendo degradado pelos sucessivos governos e substituído pela iniciativa privada devoradora e predadora. O ensino e a cultura democratizados foram sendo inquinados por uma iliteracia quase incompreensível, consequência da hipoteca da Escola a uma política de reprodução das elites e aos interesses do negócio privado, tanto na sua propriedade como nos seus currículos. O Serviço Nacional de Saúde, a grande marca que restou do 25 de Abril como medida de alcance social universal, foi sendo também ele destroçado, restando as bichas para as consultas, as listas de espera para os actos médicos, a pletora nos corredores dos hospitais públicos e os hospitais privados devorando os doentes que não cabem no serviço que seria o seu, e a encherem os bolsos com as comparticipações do Estado que as elites económica e política querem cada vez mais pequeno e cada vez mais pagante.

Os próprios grandes «capitães da Indústria» – Mellos, Champallimauds, etc. – trocaram o ímpeto produtivo pela lascívia do jogo da bolsa e dos offshores. Banca e Seguros. O país (vemos agora que todo o mundo) pendurado do casino!

E eis-nos chegados, trinta e cinco anos depois, não só à prova dos nove, mas à prova real das operações entretanto realizadas.

A actual crise que se abateu sobre os trabalhadores em todo o mundo, com a devastação que está à vista, veio mostrar como as palavras de ordem do PREC abrilista, como a solidariedade internacionalista que também tomou conta das ruas, as exigências populares que o Estado assumisse o controlo estrito do poder económico, como as medidas avançadas na reforma agrária e nas nacionalizações, na implementação do serviço público como prioritário para assegurar a justiça social e respeitar a igualdade inerente à condição e dignidade humanas, eram não só o caminho certo, marca da modernidade do 25 de Abril, mas também assinalavam com exactidão os inimigos da liberdade e da justiça social: o capitalismo, a finança, o mercado aceite como medida da democracia.

E eis-nos agora numa outra (não será exactamente a mesma?) encruzilhada: vamos aceitar as imposições dos governos e grandes do mundo, para salvar o sistema entregando de novo o ouro aos bandidos e premiando os criminosos e predadores para os quais o sistema é sustentado por todos?

Ou vamos bater-nos para aproveitar esta crise sistémica sem precedentes – de tal envergadura que os arautos e trovadores do sistema passaram a cantar loas, cínicas naturalmente, àquele que até agora era o símbolo do mal, o socialismo, e a fazerem apelo às análises de Karl Marx que sempre desprezaram e classificaram de irrealistas e suporte das mais desvairadas desgraças para a humanidade – para dar respostas transformadoras que mobilizem os milhares de milhões de pessoas que têm sido até agora a carne para canhão das mais valias ilegítimas, e agora reveladas como ilegais e mesmo de apropriação criminosa, num sistema cuja alma é a corrupção mais desbragada, que provoca a miséria mais extrema ao lado da riqueza mais obscena, num total deserespeito pelas pessoas, pela humanidade e pelo próprio planeta?

Vamos continuar a curvar-nos perante a corja já denunciada e combatida entre nós durante o PREC até aos limites das nossas forças e possibilidades?

Ou vamos buscar forças à nossa dignidade de cidadãos e à consciência dos interesses que devemos defender em nosso nome e em nome dos nossos iguais para radicalizarmos a luta pela liberdade, pela justiça social, pelo serviço público, pelo Estado de direito democrático que, também ele, está ferido na sua integridade? Para, em articulação com as organizações políticas e movimentos sociais empenhados no progresso construirmos um futuro de igualdade numa terra preservada em toda a sua diversidade, harmonia e beleza?

A necessidade da mudança radical está a ser escamoteada não só pelos vampiros mas também pelos melharucos.

O 25 de Abril foi uma necessidade histórica assumida e executada num sobressalto de ousadia e desprendimento; hoje precisamos desse espírito para responder ao desafio que a história nos coloca de forma ainda mais imperativa mas também mais difícil.

Para comemorarmos seriamente o 25 de Abril temos de responder a esta questão e agir em conformidade.

Mário Tomé

* Fernando Pessoa

** José Gil

Esquerda.net

Faz falta uma nova revolução?

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Cumpridos 35 anos sobre o fim do Estado Novo, será necessário convocar outra vez o povo para salvar uma Democracia que, apesar de jovem, manifesta sintomas de esclerose?

Volvidos 35 anos desse dia mágico em que tudo era possível, inscrito na mitologia nacional como a “Revolução dos Cravos” que prometeu a Descolonização urgente, uma Democracia parlamentar efectiva e o Desenvolvimento que lhe seria inerente, anda Portugal tão murcho como as rubras flores que então vicejaram nas lapelas do povo. Cumpridos os dois primeiros termos, o desenvolvimento não só estagnou, como regrediu – o FMI prevê, para este ano, uma queda do PIB de 4,1%, ao nível da anomia do PREC, e um aumento do desemprego dos actuais 7,8% – quase meio milhão de pessoas oficialmente sem ocupação remunerada – para 11% em 2011. Gente a quem custa perceber por que é que empresas lucrativas procedem a despedimentos massivos enquanto o Estado injecta milhares de milhões de euros para tapar buracos financeiros abissais escavados pela cupidez de uns quantos.

É que a crise não é apenas económica, antes contamina tudo o resto deste Portugal deprimido: na Educação, por exemplo, professores e Ministério travam uma luta sem resolução à vista cujas consequências nefastas revertem, desde logo, para os alunos, numa altura em que as universidades públicas cortam no papel higiénico para subsidiar despesas correntes. Na Justiça, corruptos declarados são sancionados com multas ridículas ou ilibados por erros processuais. Quando os casos não são arquivados após argumentações jurídicas, tão prolixas como estéreis, se arrastarem indefinidamente nos tribunais. E isto quando chegam a julgamento, circunstância rara num sistema que tem por hábito deixar prescrever os processos.

Por fim, os políticos não inspiram confiança nem respeito aos cidadãos. Seja porque se baldam às reuniões plenárias na Assembleia da República por razões insondáveis, seja porque não se entendem, sequer, para escolher o provedor de Justiça, ou ainda por não dominarem regras básicas do português quando toca a redigir diplomas legais (conforme demonstrou o procurador-geral da República), coisa bizarra quando se trata dos legisladores da nação… E, pior, porque paira sobre homens sufragados, a quem se exige probidade, a suspeição de condutas menos judiciosas e, até, de contornos criminais.

Por tudo isto, não raro se ouve dizer que é urgente a mudança. Por via revolucionária. Os mais saudosistas e temerosos suplicam por novo Salazar, o ditador que emergiu da Revolução de 28 de Maio de 1926; os que suspiram pela utopia socialista reclamam outros amanhãs canoros, como parecia possível na Primavera de 1974. Mas, se a revolução faz falta, que revolução será essa? E haverá condições para cumpri-la?

A necessidade de uma revolução que revitalize o regime democrático nacional colhe o consenso entre os observadores da coisa pública. Tal como a noção de que essa revolução, a fazer-se, não será formal – constitucional ou de regime -, na medida em que, conforme sublinhou Winston Churchill na Casa dos Comuns, “a Democracia é a pior forma de governo, salvo todas as outras que têm sido experimentadas de tempos em tempos”. Além disso, “seria uma contradição dos termos e um retrocesso”, na óptica de Viriato Soromenho-Marques, “propor uma revolução que procurasse, através de uma insurreição, corrigir pela violência as insuficiências do nosso regime democrático”. Trata-se, outrossim, de “operar mudanças profundas na substância”, diz aquele docente da Universidade de Lisboa.

Uma necessidade que decorre, aliás, da própria natureza dos regimes demoliberais, em que “estamos condenados a manter a forma, mas a ter que melhorá-la permanentemente, sob pena de, não o fazendo, matar o próprio regime. É este o dilema permanente das democracias”, realça o politólogo Manuel Meirinho. E essas melhorias passam, segundo aquele professor do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, “por uma reconfiguração, ou mudança estruturante, nos caminhos que os regimes têm face às suas limitações, insuficiências e excrecências”. Não serão poucas, umas e outras.

As limitações estão relacionadas com o rendimento dos sistemas políticos e, neste capítulo, os sistemas democráticos são menos capazes de produzir resultados face a alguns constrangimentos, como aqueles que decorrem da crise económica profunda que hoje se experiencia. Num contexto assim, sublinhava Robert Kagan em obra recente, os regimes autoritários tornam-se sedutores porque conseguem resultados mais rápida e facilmente, uma vez que dispensam consensos para adoptar as medidas que entendem necessárias. Será essa ilusão de eficácia – mais o messianismo atávico que Eduardo Lourenço tão bem dissecou (o sebastianismo) – que leva alguns a sugerir o regresso de Salazar. Da ditadura, enfim, do Estado paternalista e totalitário, cujo termo agora se assinala e, todavia, se parece desejar.

É que, na óptica de José Palmeira, politólogo da Universidade do Minho, “se um país é muito marcado pela sua cultura política, a de Portugal caracteriza-se pela dependência excessiva em relação ao Estado”, algo pouco saudável para a vitalidade da Democracia nacional. Palmeira nota que é usual definir a cultura política em três tipos: a de participação, a de subordinação e a paroquial. “A última, que ocorre quando há indivíduos que vivem à margem do Estado, em comunidades pouco integradas na participação cívica e política – como os ciganos, por exemplo -, é residual nas sociedades ocidentais”, explica. “A de subordinação é típica dos regimes autoritários, onde o cidadão não intervém por estar impedido de fazê-lo ou porque não é estimulado a isso; e a de participação é própria dos regimes demoliberais, em que os cidadãos são politicamente activos”.

Vertendo os conceitos para o caso português, Palmeira julga que “quando passámos do regime autoritário para o democrático com o 25 de Abril, a cultura de participação passou a ter dimensão maior do que a de subordinação; mas, comparando-a com outros países europeus, a nossa cultura de participação é ainda muito reduzida, esgota-se nos períodos eleitorais”, refere. Nesta óptica, “era necessário haver aqui uma mudança, uma reforma profunda. Todavia, para que tal ocorra, e paradoxalmente, assume particular importância o papel do… Estado. Designadamente porque “a sociedade civil, por si só, não se consegue libertar, e só crescerá se tiver que ocupar o vazio deixado pelo Estado”.

E, no entanto, o Estado, sendo “a organização política da comunidade histórica que constitui a nação”, somos nós, o povo. O qual, nos regimes demoliberais, será “quem mais ordena”. Por delegação – e por isso também se chama, ao regime demoliberal, democracia representativa, em que o povo governa por delegação voluntária de poder, dentro de um quadro legal e por tempo limitado. Todavia, “se esta é a sua grande virtude, é também a sua maior fraqueza”, alerta Soromenho-Marques, referindo-se às organizações através das quais ela se realiza: os partidos políticos.

“O vício da Democracia representativa é a rapidez com que os mecanismos de representação acabam por entrar em entropia, perdendo a sua energia e vocação originais. Os partidos políticos precisam de um rejuvenescimento constante para não se tornarem fins em si mesmos”, diz. Para não serem, enfim, meras máquinas de conquista e manutenção do poder, ignorando a sociedade civil. É esse afastamento do povo que implica o envelhecimento precoce do nosso regime democrático que é, afinal, tão jovem ainda – apenas 35 anos. A esclerose político-partidária manifesta-se, por exemplo, na abstenção eleitoral e na cada vez menor militância em estruturas que deveriam ser, afinal, ágoras de debate e escolas de cidadania.

Não são. Parecem antes redutos cristalizados porque demasiado ciosos da sua exclusividade, e geradores, por essa ausência de renovação, das excrecências referidas por Meirinho, ao converterem-se em vítimas fáceis de manobras de pressão, designadamente dos grupos económicos. “As excrecências, como a corrupção, são um dos males do regime, e resultam do mau uso dos homens que governam o regime e não do regime ele próprio nem da sua estrutura institucional”, afirma o politólogo. “A questão que se coloca é que, quanto mais cresce esta dimensão de excrecência, mais favorece a apetência pela revolução, porque temos o cidadão desafecto do regime”.

Feito o diagonóstico, que revolução possível se propõe, então, para recuperar o afecto pelo regime conquistado nessa manhã de Abril e ainda ontem recordada na Assembleia da República? Desde logo, introduzindo alterações no processo de escolha dos deputados, precisamente. Só que, embora todos os legisladores proclamem tal receita, são poucos a desejá-la efectivamente.

“Apesar de sucessivos pedidos de renovação do sistema eleitoral através da abertura a candidaturas independentes, com círculos uninominais, para a Assembleia da República, os partidos recusam sistematicamente a ideia, o que mostra bem como não estão interessados em partilhar esse processo”, denuncia Soromenho-Marques, explicando o pernicioso de tal recusa: “Se houver só listas partidárias, não há estímulo para procurar os mais capazes, porque se vota não na pessoa ou na ideia por ela defendida, mas no logotipo partidário”.

É que, caso não se proceda à alteração do sistema eleitoral para que os cidadãos possam organizar-se e concorrer fora do quadro partidário à Assembleia da República, o próprio conceito de deputado fica corrompido, como já se percebe hoje nos debates e votações parlamentares.

“É que os deputados, hoje em dia, obedecem apenas ao partido, por via da imposição da disciplina de voto; depois, não são responsáveis face aos seus eleitores, mas apenas perante a cúpula do partido, pelo que temos 230 deputados que representam não 10 milhões de portugueses, mas somente as 30 ou 40 pessoas que integram as direcções do partidos com assento parlamentar”, cogita o docente da Universidade de Lisboa.

Ora, a introdução de círculos uninominais obrigaria os partidos a procurar candidatos fora dos seus acólitos e, por maioria de razão, a tentar cativar os melhores elementos da sociedade civil. Reportando-se a essa ausência de recrutamento da excelência, Meirinho lamenta “a falta de osmose inter-elitismo. Há um acantonamento das elites político-partidárias no Estado, no qual as outras elites, designadamente as científicas, têm dificuldade em penetrar. As elites politico-partidárias não conseguem incorporar elites de outras áreas”, assegura, referindo que “as democracias que o fazem estão mais preparadas para combater as excrecências do regime”. É que as elites político-partidárias estão demasiado próximas do poder e do seu exercício, o lugar de onde emana, afinal, as tais excrecências…

Em síntese, cumpridos que estão 35 anos sobre a Revolução dos Cravos, haverá outra a fazer. Ou melhor, uma reforma do regime – termo mais consentâneo com o conceito de Democracia representativa porque, como dizia Palmeira, “a reforma é inclusiva, ao passo que as revoluções tendem a excluir os vencidos”.

Desde logo, reforma do processo eleitoral, que obrigaria os partidos a abrirem-se aos cidadãos. Daqui resultaria, para estes que são o povo, um maior estímulo à participação cívica e, por essa via, à criação de uma cultura menos dependente do Estado e mais combativa das excrecências que aquele gera. Basta os partidos políticos com assento parlamentar quererem que essa revolução, tão simples afinal, se faça.

por ELMANO MADAIL J.N.

A auto-avaliação

Poderá ser considerado ético utilizar “tratamentos” e técnicas não experimentadas?

Por muito cuidadosamente que tenha sido testado um novo e promissor tratamento, a primeira pessoa a recebê-lo é sempre, em certa medida, uma “cobaia”. O dilema ético é saber até quando proteger os indivíduos dos eventuais riscos e efeitos secundários do novo medicamento no homem, estando, por outro lado, a privar muitos milhares duma melhoria significativa ou mesmo a cura da sua doença.

Idealmente, todo o ser humano sujeito a uma experiência, devia possuir bases científicas suficientes para entender as respectivas implicações.

Se a primeira pessoa a receber um coração artificial, um dentista, estava provavelmente a altura deste requisito, e se a primeira doente a receber um transplante de coração de macaco foi uma filha, ainda criança, dum casal de pouca instrução.., muitas pessoas puseram em questão o modo como os pais terão compreendido a controversa operação.

As crianças, os atrasados mentais e os prisioneiros – em tempos muito utilizados em testes médicos e psicológicos – raramente estiveram em situação de participar, voluntária e conscientemente, nas experiências científicas de que foram alvo.

E embora os doentes terminais possam concordar com o ensaio de novos tratamentos pelo desejo de ajudar os outros, muitas autoridades insistem em que qualquer experiência a que se submetam deve dar-lhes, pessoalmente, alguma esperança.

Tratando-se da classe do professorado e após mega-manifestações de desagrado, de puro e franco desontentamento e repúdio a semelhante tratamento sobre eles infligido…

Anexar à ficha de auto-avaliação a tal declaração de protesto, parte do pressuposto “aceitação, capitulação, submissão ao modelo de avaliação”, embora possam, intimamente, continuar a considerar que o modelos merece toda a adjectivação possível e imaginária.

Todavia, não será de admirar que, dentro de pouco tempo se verá aumentar toda a sintomatologia inerente ao stress, esse feroz inimigo de todo o ser humano.

Na suamaioria, as pessoas sabem quais as coisas que as enervam e procuram evitá-las. Como é isso possível neste caso?

Conseguir um pequeno intervalo tranquilo durante um dia de trabalho intenso, mesmo que sejam apenas dez minutos, ajuda-nos a isolarmo-nos das preocupações e a preservar o equilíbrio interno.

Poucas pessoas mantêm o autocontrolo e o equilíbrio psicológico quando submetidas a stresses muito graves.

Compreende-se, pois, a necessidade de dar uma resposta séria ao Ministério da Educação, não vá o diabo tecê-las e mover procesos disciplinares colectivos. Mas, ao mesmo tempo, é preciso demonstrar, muito claramente, que só o fazem na defesa dos interesses da classe e sob forte pressão, digna de outros tempos, num contexto repleto de falta de coerência e equidade.

É sabido que toda a alteração importante nas condições de trabalho provoca uma tremenda pressão e não menos tremendo stress sobre os visados.

Se é verdade que cada indivíduo reage de forma diferente, devido à sua personalidade e poder de encaixe, não o é menos que, esperando estar completamente errado, se verificarão, ou poderão verificar baixas por doença, plenamente justificadas.

Um dos principais factores de desestabilização emocional no ser humano, deve-se ao facto da perda de confiança em si próprio e nos outros, de nada importando, ou valendo, determinadas leituras feitas por certas pessoas ou grupos.

Numa remodelação ou alteração importante da vida de cada um, deve evitar-se a acumulação do stress. E quando se está envolvido, pessoalmente ou por interpostas pessoas em certos processos, de nada serve deixar de aguardar que a vida s estabilize até que possa sentir-se melhor.

Pensar é um trabalho penoso e por isso muitos fogem dele. Não nos devemos limitar, porém, a um pensamento rectilíneo e lógico. Deve abordar-se o problema por outro ãngulo.

Recordo a frase de Albert Szent-Gyorgyi: “A descoberta consiste em olhar para uma coisa como todas as outras pessoas, mas conseguir pensar algo diferente.”

Fonte: O cartel

Sócrates, o ditador

‘Sócrates, o ditador’

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por António Barreto

A saída de António Costa para a Câmara de Lisboa pode ser interpretada de muitas maneiras.
Mas, se as intenções podem ser interessantes, os resultados é que contam.
Entre estes, está o facto de o candidato à Autarquia se ter afastado do Governo e do Partido, o que deixa Sócrates praticamente sozinho à frente de um e de outro.

Único senhor a bordo tem um mestre e uma inspiração.
Com Guterres, o primeiro-ministro aprendeu a ambição pessoal, mas, contra ele, percebeu que a indecisão pode ser fatal, ao ponto de, com zelo, se exceder.
Prefere decidir mal, mas rapidamente, do que adiar para estudar.
Em Cavaco, colheu o desdém pelo seu partido.
Com os dois e com a sua própria intuição autoritária, compreendeu que se pode governar sem políticos.
Onde estão os políticos socialistas ?
Aqueles que conhecemos, cujas ideias pesaram alguma coisa e que são responsáveis pelo seu passado?
Uns saneados, outros afastados.
Uns reformaram-se da política, outros foram encostados.
Uns foram promovidos ao céu, outros mudaram de profissão.
Uns foram viajar, outros ganhar dinheiro.
Uns desapareceram sem deixar vestígios, outros estão empregados nas empresas que dependem do Governo.
Manuel Alegre resiste, mas já não conta.
Medeiros Ferreira ensina e escreve.
Jaime Gama preside sem poderes.
João Cravinho emigrou.
Jorge Coelho está a milhas de distância e vai dizendo, sem convicção, que o socialismo ainda existe.
António Vitorino, eterno desejado, exerce a sua profissão.
Almeida Santos justifica tudo.
Freitas do Amaral, “ofereceu-se, vendeu-se” e reformou-se !
Alberto Martins apagou-se.
Mário Soares ocupa-se da globalização.
Carlos César limitou-se definitivamente aos Açores.
João Soares espera.
Helena Roseta foi à sua vida independente.
Os grandes autarcas do partido estão reduzidos à insignificância.
O Grupo Parlamentar parece um jardim-escola sedado.
Os sindicalistas quase não existem.
O actual pensamento dos socialistas resume-se a uma lengalenga pragmática, justificativa e repetitiva sobre a inevitabilidade do governo e da luta contra o défice.
O ideário contemporâneo dos socialistas portugueses é mais silencioso do que a meditação budista.
Ainda por cima, Sócrates percebeu depressa que nunca o sentimento público esteve, como hoje, tão adverso e tão farto da política e dos políticos.
Sem hesitar, apanhou a onda.
Desengane-se quem pensa que as gafes dos ministros incomodam Sócrates.
Não mais do que picadas de mosquito. As gafes entretêm a opinião, mobilizam a imprensa, distraem a oposição e ocupam o Parlamento.
Mas nada de essencial está em causa.
Os disparates de Manuel Pinho fazem rir toda a gente.
As tontarias e a prestidigitação estatística de Mário Lino é pura diversão.
Não se pense que a irrelevância da maior parte dos ministros, que nada têm a dizer para além dos seus assuntos técnicos, perturba o primeiro-ministro.
É assim que ele os quer, como se fossem directores-gerais.
Só o problema da Universidade Independente e dos seus diplomas o incomodou realmente.
Mas tratava-se, politicamente, de uma questão menor.
Percebeu que as suas fragilidades podiam ser expostas e que nem tudo estava sob controlo. Mas nada de semelhante se repetirá.
O estilo de Sócrates consolida-se. Autoritário, Crispado, Despótico, Irritado, Enervado, Detestando ser contrariado.
Não admite perguntas que não estavam previstas ou antes combinadas.
Pretende saber, sobre as pessoas, o que há para saber.
Tem os seus sermões preparados todos os dias.
Só ele faz política, ajudado por uma máquina poderosa de recolha de informações, de manipulação da imprensa, de propaganda e de encenação.
O verdadeiro Sócrates está presente nos novos bilhetes de identidade, nas tentativas de Augusto Santos Silva de tutelar a imprensa livre, na teimosia descabelada de Mário Lino, na concentração das polícias sob seu mando e no processo que o Ministério da Educação abriu contra um funcionário que se exprimiu em privado.
O estilo de Sócrates está vivo, por inteiro, no ambiente que se vive, feito já de medo e apreensão.
A austeridade administrativa e orçamental ameaça a tranquilidade de cidadãos que sentem que a sua liberdade de expressão pode ser onerosa.
A imprensa sabe o que tem de pagar para aceder à informação.
As empresas conhecem as iras do Governo e fazem as contas ao que têm de fazer para ter acesso aos fundos e às autorizações.
Sem partido que o incomode, sem ministros politicamente competentes e sem oposição à altura, Sócrates trata de si.
Rodeado de adjuntos dispostos a tudo e com a benevolência de alguns interesses económicos, Sócrates governa.
Com uma maioria dócil, uma oposição desorientada e um rol de secretários de Estado zelosos, ocupa eficientemente, como nunca nas últimas décadas, a Administração Pública e os cargos dirigentes do Estado.
Nomeia e saneia a bel-prazer.
Há quem diga que o vamos ter durante mais uns anos.

É possível.


Mas não é boa notícia. É sinal da impotência da oposição. De incompetência da sociedade. De fraqueza das organizações. E da falta de carinho dos portugueses pela liberdade.

As Portas que Abril Abriu

ary-dos-santos

As Portas que Abril Abriu
José Carlos Ary dos Santos
“Obra poética”
Edições Avante 1975

Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.

Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.

Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raiz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.

Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempos do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.

Ali nas vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava podre
de comer a sua terra.

Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões
um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos.

Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.

Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.

Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

Esses que tinham lutado
a defender um irmão
esses que tinham passado
o horror da solidão
esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão.

Não tinham armas é certo
mas tinham toda a razão
quando um homem morre perto
tem de haver distanciação

uma pistola guardada
nas dobras da sua opção
uma bala disparada
contra a sua própria mão
e uma força perseguida
que na escolha do mais forte
faz com que a força da vida
seja maior do que a morte.

Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão.

Foi então que o povo armado
percebeu qual a razão
porque o povo despojado
lhe punha as armas na mão.

Pois também ele humilhado
em sua própria grandeza
era soldado forçado
contra a pátria portuguesa.

Era preso e exilado
e no seu próprio país
muitas vezes estrangulado
pelos generais senis.

Capitão que não comanda
não pode ficar calado
é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado
é o povo que lhe diz
que não ceda e não hesite
– pode nascer um país
do ventre duma chaimite.

Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
– é força revolucionária!

Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.

Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.

E então por vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
desceram homens sem medo
marujos soldados «páras»
que não queriam o degredo
dum povo que se separa.

E chegaram à cidade
onde os monstros se acoitavam
era a hora da verdade
para as hienas que mandavam
a hora da claridade
para os sóis que despontavam
e a hora da vontade
para os homens que lutavam.

Em idas vindas esperas
encontros esquinas e praças
não se pouparam as feras
arrancaram-se as mordaças
e o povo saiu à rua
com sete pedras na mão
e uma pedra de lua
no lugar do coração.

Dizia soldado amigo
meu camarada e irmão
este povo está contigo
nascemos do mesmo chão
trazemos a mesma chama
temos a mesma ração
dormimos na mesma cama
comendo do mesmo pão.
Camarada e meu amigo
soldadinho ou capitão
este povo está contigo
a malta dá-te razão.

Foi esta força sem tiros
de antes quebrar que torcer
esta ausência de suspiros
esta fúria de viver
este mar de vozes livres
sempre a crescer a crescer
que das espingardas fez livros
para aprendermos a ler
que dos canhões fez enxadas
para lavrarmos a terra
e das balas disparadas
apenas o fim da guerra.

Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer.

E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis.

Mesmo que tenha passado
às vezes por mãos estranhas
o poder que ali foi dado
saiu das nossas entranhas.
Saiu das vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
onde um povo se curvava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.

E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe.
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu.

Essas portas que em Caxias
se escancararam de vez
essas janelas vazias
que se encheram outra vez
e essas celas tão frias
tão cheias de sordidez
que espreitavam como espias
todo o povo português.

Agora que já floriu
a esperança na nossa terra
as portas que Abril abriu
nunca mais ninguém as cerra.

Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.

Quando o povo desfilou
nas ruas em procissão
de novo se processou
a própria revolução.

Mas eram olhos as balas
abraços punhais e lanças
enamoradas as alas
dos soldados e crianças.

E o grito que foi ouvido
tantas vezes repetido
dizia que o povo unido
jamais seria vencido.

Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.

E então operários mineiros
pescadores e ganhões
marçanos e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
souberam que o seu dinheiro
era presa dos patrões.

A seu lado também estavam
jornalistas que escreviam
actores que se desdobravam
cientistas que aprendiam
poetas que estrebuchavam
cantores que não se vendiam
mas enquanto estes lutavam
é certo que não sentiam
a fome com que apertavam
os cintos dos que os ouviam.

Porém cantar é ternura
escrever constrói liberdade
e não há coisa mais pura
do que dizer a verdade.

E uns e outros irmanados
na mesma luta de ideais
ambos sectores explorados
ficaram partes iguais.

Entanto não descansavam
entre pragas e perjúrios
agulhas que se espetavam
silêncios boatos murmúrios
risinhos que se calavam
palácios contra tugúrios
fortunas que levantavam
promessas de maus augúrios
os que em vida se enterravam
por serem falsos e espúrios
maiorais da minoria
que diziam silenciosa
e que em silêncio fazia
a coisa mais horrorosa:
minar como um sinapismo
e com ordenados régios
o alvor do socialismo
e o fim dos privilégios.

Foi então se bem vos lembro
que sucedeu a vindima
quando pisámos Setembro
a verdade veio acima.

E foi um mosto tão forte
que sabia tanto a Abril
que nem o medo da morte
nos fez voltar ao redil.

Ali ficámos de pé
juntos soldados e povo
para mostrarmos como é
que se faz um país novo.

Ali dissemos não passa!
E a reacção não passou.
Quem já viveu a desgraça
odeia a quem desgraçou.

Foi a força do Outono
mais forte que a Primavera
que trouxe os homens sem dono
de que o povo estava à espera.

Foi a força dos mineiros
pescadores e ganhões
operários e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
que deu o poder cimeiro
a quem não queria patrões.

Desde esse dia em que todos
nós repartimos o pão
é que acabaram os bodos
– cumpriu-se a revolução.

Porém em quintas vivendas
palácios e palacetes
os generais com prebendas
caciques e cacetetes
os que montavam cavalos
para caçarem veados
os que davam dois estalos
na cara dos empregados
os que tinham bons amigos
no consórcio dos sabões
e coçavam os umbigos
como quem coça os galões
os generais subalternos
que aceitavam os patrões
os generais inimigos
os generais garanhões
teciam teias de aranha
e eram mais camaleões
que a lombriga que se amanha
com os próprios cagalhões.
Com generais desta apanha
já não há revoluções.

Por isso o onze de Março
foi um baile de Tartufos
uma alternância de terços
entre ricaços e bufos.

E tivemos de pagar
com o sangue de um soldado
o preço de já não estar
Portugal suicidado.

Fugiram como cobardes
e para terras de Espanha
os que faziam alardes
dos combates em campanha.

E aqui ficaram de pé
capitães de pedra e cal
os homens que na Guiné
aprenderam Portugal.

Os tais homens que sentiram
que um animal racional
opõe àqueles que o firam
consciência nacional.

Os tais homens que souberam
fazer a revolução
porque na guerra entenderam
o que era a libertação.

Os que viram claramente
e com os cinco sentidos
morrer tanta tanta gente
que todos ficaram vivos.

Os tais homens feitos de aço
temperado com a tristeza
que envolveram num abraço
toda a história portuguesa.

Essa história tão bonita
e depois tão maltratada
por quem herdou a desdita
da história colonizada.

Dai ao povo o que é do povo
pois o mar não tem patrões.
– Não havia estado novo
nos poemas de Camões!

Havia sim a lonjura
e uma vela desfraldada
para levar a ternura
à distância imaginada.

Foi este lado da história
que os capitães descobriram
que ficará na memória
das naus que de Abril partiram
das naves que transportaram
o nosso abraço profundo
aos povos que agora deram
novos países ao mundo.

Por saberem como é
ficaram de pedra e cal
capitães que na Guiné
descobriram Portugal.

E em sua pátria fizeram
o que deviam fazer:
ao seu povo devolveram
o que o povo tinha a haver:
Bancos seguros petróleos
que ficarão a render
ao invés dos monopólios
para o trabalho crescer.
Guindastes portos navios
e outras coisas para erguer
antenas centrais e fios
dum país que vai nascer.

Mesmo que seja com frio
é preciso é aquecer
pensar que somos um rio
que vai dar onde quiser

pensar que somos um mar
que nunca mais tem fronteiras
e havemos de navegar
de muitíssimas maneiras.

No Minho com pés de linho
no Alentejo com pão
no Ribatejo com vinho
na Beira com requeijão
e trocando agora as voltas
ao vira da produção
no Alentejo bolotas
no Algarve maçapão
vindimas no Alto Douro
tomates em Azeitão
azeite da cor do ouro
que é verde ao pé do Fundão
e fica amarelo puro
nos campos do Baleizão.
Quando a terra for do povo
o povo deita-lhe a mão!

É isto a reforma agrária
em sua própria expressão:
a maneira mais primária
de que nós temos um quinhão
da semente proletária
da nossa revolução.

Quem a fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
um menino que sorriu
uma porta que se abrisse
um fruto que se expandiu
um pão que se repartisse
um capitão que seguiu
o que a história lhe predisse
e entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo que levantava
sobre um rio de pobreza
a bandeira em que ondulava
a sua própria grandeza!
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse.
Só nos faltava que os cães
viessem ferrar o dente
na carne dos capitães
que se arriscaram na frente.

Na frente de todos nós
povo soberano e total
que ao mesmo tempo é a voz
e o braço de Portugal.

Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!

Cinco capitães da revolução traçam o diagnóstico do país em tempo de crise

Abril foi há 35 anos e eles gostavam que tivesse progredido, ano após ano. Mas por vezes têm dificuldades em encontrá-lo agora, por aí. Claro que há a liberdade e a democracia. E isso é muito. Mas não era exactamente este o país que eles, os que fizeram Abril, esperavam. Em tempo de crise, não temem golpes nem ameaças não democráticas. Mas receiam a implosão social, falam de uma ruptura iminente. De medos, ainda que outros. E lamentam o fim da solidariedade e do voluntarismo.Andrade da Silva faz um aviso prévio. Está “muito desencantado” e vai expor a sua “visão poética amarga” sobre a revolução que ajudou a fazer. Coronel do Exército na reserva, um dos responsáveis pela reforma agrária, licenciado em sociologia e psicologia, não vê meio termo. “A democracia não é compatível com a actual situação. Ou se resolve a crise, ou vem uma ditadura.”

Este deve ser “um momento para reflectir”, porque este “é um problema para amanhã”, “dentro de seis meses ou um ano o céu pode cair-nos em cima da cabeça e não há plano B”, aconselha Miguel Judas. Primeiro-tenente da Marinha à altura da revolução, membro da comissão coordenadora do Movimento das Forças Armadas (MFA) e membro do Conselho da Revolução, Miguel Judas considera que se vive “o final de um ciclo, o esgotamento de uma república”, que exige a fundação de uma nova.

“A crise é um acto político, um acto de governação falhado”, avalia Gonçalves Novo, coronel do Exército na reforma, era capitão da coluna das Caldas no ensaio de 16 de Março de 1974, fundador do MFA, actual membro da Associação de Oficiais das Forças Armadas. “Prevejo a existência de convulsões populares. As pessoas têm fome, os crimes de colarinho branco não são julgados”, vaticina.

“É muito natural que aconteçam [as convulsões]. E é bom que se tenha presente que não se resolvem à bastonada nem com repressão, mas à volta dos valores de Abril, por exemplo da solidariedade”, frisa Vasco Lourenço, tenente-coronel na reforma, membro da comissão política do MFA, actual presidente da Associação 25 de Abril.

“A democracia está doente”

“Há pessoas que exercem a liderança sem terem interiorizado um comportamento democrático. Salazar está vivo, somos muito ditadores. As pessoas no poder têm muitos tiques ditatoriais, criam cordões sanitários para as vozes divergentes”, analisa Andrade da Silva.

Manuel Monge é o mais optimista de todos: “Não comungo de análises catastrofistas sobre a actual situação económica/financeira muito difícil de Portugal e do mundo.”

“A democracia está doente”, diagnostica Vasco Lourenço. E pode ser posta em causa se “houver a veleidade de se tomar posições que façam prevalecer a segurança sobre a liberdade”. Recordando o que aconteceu na Grécia recentemente, com as revoltas populares, frisa: “Não estamos imunes, há condições propícias.” Em Portugal, tem havido, acrescenta, uma “incapacidade para implementar medidas no sentido da justiça social e dos valores de Abril”.

“A crise pode fomentar” a adopção de “medidas mais drásticas e mais gravosas”, das quais “os direitos do trabalho sairão combalidos”, acrescenta Andrade da Silva. “Corre-se um risco de implosão social grave e dessa implosão não ser dirigida por democratas”, alerta. “Em democracia não há implosões sociais. Poderia haver aventuras totalitárias, mas não na Europa do século XXI”, contrapõe Manuel Monge, um dos homens fortes de António Spínola na Guiné.

Liberdade sim, mas…

Liberdade é a primeira coisa que lhes vem à cabeça quando comparam o Portugal de hoje com o de 1974. Vasco Lourenço, coronel na reforma, desterrado para os Açores nas vésperas do 25 de Abril, membro da comissão política do MFA, actual presidente da Associação 25 de Abril, destaca que os três D (Democratizar, Descolonizar, Desenvolver) que se pretendia conquistar com o 25 de Abril são “um facto”.

Gonçalves Novo considera que “o esvaziamento político é perigoso”. “Mas, hoje, pelo menos podemos dizê-lo”, salienta, acreditando que enquanto houver um poder civil, em que os militares estão submetidos ao regime político, “os ideais de Abril estão salvaguardados”. “Temos liberdade, democracia e capacidade de decidir” e Abril continua no país, portanto, “embora com determinadas limitações”. “Pode não ser um 25 tão alegre como era, os tempos são mais difíceis, mas a essência mantém-se”, resume.

Todos apontam o dedo à política, independentemente de quem está no governo, independentemente dos partidos. E alargam a responsabilidade às empresas, aos sindicatos, às universidades, à sociedade civil, aos cidadãos. Todos são responsáveis. “Caímos no rotativismo, não há alternativas, só alternância”, descreve Andrade da Silva. E é preciso começar a assumir os erros. “Em Portugal, também há responsáveis pela crise. Nem tudo é importado, nem tudo vem de fora.”

“Os partidos políticos, de forma geral, falharam todos. São agências de emprego, de defesa dos interesses de facções”, diz Vasco Lourenço.

Isso não quer dizer que defenda a extinção dos partidos. “Não se conhece democracia sem partidos e não há sistema menos mau do que a democracia”, realça. “Procurar responsabilizar os partidos por tudo pode ser um caminho perigoso. Assim começam ou acabam alguns regimes”, salienta Manuel Monge.

Os partidos “são indispensáveis”, diz Gonçalves Novo, mas “não têm cumprido os programas”. Há uma “perversidade humana organizada, incorporada nos partidos”, sustenta Andrade da Silva, criticando que a política seja “um estágio para cargos de administração pública”. “É uma contaminação perniciosa e a democracia ganharia se não houvesse essa circulação de cadeiras”, diz. Miguel Judas realça que a liberdade não é um dado adquirido. “Hoje o pensamento não é livre, muito menos a voz. Já não há o medo do fascismo, mas há o medo de perder o tacho”, compara.

“A política tem vindo a piorar, bateu no fundo com Santana Lopes e com a cena da Base das Lajes”, avalia Vasco Lourenço. “Algumas políticas de hoje eram necessárias, mas não houve a preocupação de as conjugar com medidas de preocupação social”, acrescenta.

Mário Soares foi citado (e elogiado pela “clarividência”) por três dos capitães, enquanto Cavaco Silva foi duramente criticado por Andrade da Silva. “Muita coisa começou com ele [como primeiro-ministro] e agora critica”, recorda.

A justiça também já teve melhores dias, consideram. “O maior défice no nosso país é o funcionamento da justiça, no qual, infelizmente, a generalidade dos cidadãos não acredita”, lamenta Manuel Monge. “A justiça só existe para os que têm posses”, critica Andrade da Silva, exemplificando com o caso da tragédia de Entre-os-Rios, em que as famílias terão de pagar as custas da acção interposta contra o Estado.

O país “vive à conta de alguém”

A motivação do 25 de Abril não era a “impunidade dos poderosos”, nem a “desmotivação dos professores”, nem horas de “produtos tóxicos e mentecaptos” na comunicação social virada para “o negócio e o lucro”, nem a “chinezação” do trabalho sem direitos, nem que a corrupção se transformasse no “cancro nacional”, enumera Andrade da Silva.

A acrescentar à “falta de credibilidade”, há algo pior, na opinião de Gonçalves Novo, que assume ter votado no PS e em José Sócrates nas últimas legislativas. “Está-se a denegrir os cargos políticos, ferindo a dignidade do Estado.” Nas próximas eleições, o capitão de Abril não sabe se vai “votar em alguém”, até porque se identifica “sempre mais ou menos” com alguma coisa. Recorda, a propósito, um episódio curioso logo a seguir ao 25 de Abril. Deu-se ao trabalho de ler todos os programas partidários (“Até fiz uma quadro à mão, ainda não havia Excel”) e concluiu, com pena: “Fizemos uma revolução e não conseguimos arranjar um partido para mim.”

Miguel Judas lamenta que a opção que se fez após o 25 de Abril não tenha sido a de assegurar que Portugal viveria “à conta dos recursos próprios”. Hoje, o país “vive à conta de alguém” e deixar “nas mãos de terceiros a capacidade de comer” é “uma vulnerabilidade tremenda”. Prevaleceu “a opção social-democrata”, que apostou na integração europeia e “não tanto no desenvolvimento autónomo e soberano”, que “não era contraditória com a inserção mundial”.

“A social-democracia de tipo sueco era o modelo, porque tinha uma taxa de analfabetismo inexistente, liberdade de expressão, bem-estar”, recorda Gonçalves Novo. “Não estávamos a pedir mundos e fundos”, considera Andrade da Silva.

“Continuamos a não ter uma burguesia nacional que não viva à conta do Estado. Ela não tem condições para liderar o país. Não teve, nem terá”, sustenta Judas, falando em “corporativismo medieval” – cada um toma conta da sua loja e abre trincheiras para a defender, e nenhum governo entra nos seus castelos. “Este é o problema de algumas reformas deste governo. Era preciso mudar, mas se calhar era melhor não entrar de assalto, era preciso trazer as pessoas para fora dos castelos”, contrapõe.

“Tem sido uma festa, entrou muito dinheiro. E é claro que o povo beneficiou alguma coisa” com a adesão ao “sonho europeu”. Hoje temos “um povo anestesiado, conformado”, embora “de alguma forma satisfeito”, reconhece Miguel Judas. Os fundos alimentaram “o parasitismo das elites”, “os negócios, o enriquecimento fácil, as clientelas” e tudo isto foi tolerado porque “chegou algo à população”.

A factura há-de chegar e Miguel Judas acha que pode já não tardar muito. “A ruptura pode ser antecipada drasticamente no quadro da actual crise, que mostra que o sistema capitalista afinal não é seguro. E esta ruptura pode ser muito mais grave do que a que houve no 25 de Abril. Podemos estar em vésperas de algo muito mais complicado e descontrolado, sem um sistema de ideias mínimo (o MFA coseu uma série de perspectivas, tínhamos ideia de um caminho)”, compara Judas.

O que podem os cidadãos?

Miguel Judas fala em “bloqueamento democrático” nos partidos, num sistema político “caduco” e em “cidadãos atomizados”. “Não há renovação, o sistema reproduz-se a si próprio em circuito fechado, desligado das bases e da população”. Aliás, a política em geral está “bloqueada à emergência de ideias novas”, pois foi apropriada por “escassos milhares de cidadãos”, e os “espaços públicos” têm “dificuldade de emergência”. “Onde está a democracia participativa?”, pergunta.

“De resto, a malta assiste”, lamenta, considerando que “as listas de cidadãos não têm condições” para vingar, por falta de dinheiro e de recursos, mas também por falta de aceitação. Resultante das “muitas décadas de paternalismo”, frisa Manuel Monge.

“Não existe uma cidadania organizada” e a mudança não virá de dentro do sistema, diz Miguel Judas. “Movimentos como o de Manuel Alegre não mudam nada, porque estão dentro do sistema.” O que é preciso é uma “regeneração democrática”, que dê “notoriedade” ao povo. Hoje “só as individualidades têm peso, são sempre os mesmos que falam”.

O problema dos movimentos cívicos, corrobora Vasco Lourenço, é que “procuram um líder de imediato, o que estraga logo tudo”, independentemente da capacidade do líder”. Do “à volta das pessoas” temos de passar para o “à volta das causas”.

Andrade da Silva identifica outro problema. “Há muita gente a fazer diagnósticos, mas ninguém apresenta propostas novas, não avançam. Nisto o Presidente da República e o primeiro-ministro têm razão.”

A mudança, diz Judas, ou se faz por dentro do sistema, na qual não acredita, ou se faz por fora. E aí há dois caminhos: um projecto ou a rua. Judas já não quer saber da divisão entre esquerda e direita. “Não dou créditos a ninguém. A esquerda no poder é igual à direita. Há conservadores que pensam o interesse público e que são muito mais de esquerda do que muitos outros. Noutro dia li um texto de Adriano Moreira que cabe aqui.” Judas gostava era que viesse o tempo dos cidadãos interessados em reunir-se “independentemente dos rótulos e dos carimbos”, numa “base patriótica, democrática, moderna”, no espírito de Abril. E propõe um chapéu: a Associação 25 de Abril e os seus congressos da democracia. Isto “mantendo a perspectiva de ligação com o mundo, não há a ideia de uma quinta de trogloditas”.

De Abril temos hoje “a possibilidade de reunir e de falar. Por que não o fazemos?”, questiona Judas. “Com mais ou menos organização, mas pelo menos com ideias”, frisa. Se o caminho não for este, a mudança será feita nos “bairros”, num “movimento anárquico, vândalo, que vai querer resolver os problemas à sua maneira”. “As lutas serão travadas fora das instituições e ficarão à mercê dos líderes populares emergentes”, concorda Andrade da Silva, sublinhando que “o Governo comete um erro grave quando dá pouca atenção ao grito dos manifestantes”, porque “as pessoas podem ser conduzidas para situações de desespero ao aperceberem-se de que o modelo da rua se esgotou”.

Gonçalves Novo lamenta que nenhum militar no activo se possa candidatar a cargos políticos e que esteja em risco a garantia de que os serviços públicos continuarão maioritariamente nas mãos do Estado.

Gonçalves Novo defende uma “democracia directa” – já Eça de Queirós dizia que “os partidos estão demasiado afastados da população”. Vasco Lourenço diz que “a democracia directa não é a solução”, mas reconhece: “Devia haver mais interligação entre eleitos e eleitores e não fomos capazes de a fazer.” Andrade da Silva tem dúvidas sobre se é “a melhor solução”, mas defende “que os cidadãos se organizem conscientemente”. E mais clarificação política. Se há “liberais no PS e no PSD”, estes “deviam formar um partido à parte”. “Assumam e vão a votos. Isso já seria uma grande revolução organizacional”, acredita.

O país precisa de “deputados mais autónomos que possam fiscalizar a acção governativa e que não sejam veículos de transmissão partidária mas tenham compromissos de honra com os eleitores e com as promessas eleitorais”, defende Andrade da Silva.

“Gerir um processo de mudança” é aquilo que Abril tem para dar ao país de hoje, acredita Judas. “O 25 de Abril passou por aqui e está aqui. Mas há o falhanço da política, os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, uma sociedade cada vez mais injusta, a perda de direitos alcançados com anos de luta, a vontade de repressão, sinais políticos evidentes de que se quer atemorizar as pessoas, fazer uma democracia mais musculada”, analisa Vasco Lourenço. E, por isso, “às vezes apetece fazer outro” 25 de Abril, reconhece.

“Foi algo excepcional, provavelmente irrepetível. É preciso que agora o povo o faça”, convida Andrade da Silva. “O que vejo hoje assusta-me. Pessoas tristes, mal-dispostas, parecem pré-programadas com um chip, sem momentos para pensar. Há uma multidão de polidores de esquinas, de homens encostados para aí, nas tabernas, a beber, a jogar à sueca. A 25 de Abril de 1974, era um país de uma alegria transbordante. Hoje é um país pobre, não do ponto de vista económico, mas sobretudo cultural, moral, republicano e civilizacional”, recorda, saudoso, Andrade da Silva. “O D de desenvolvimento também era de desenvolvimento humano”.

“Começámos a fazer uma viagem, mas o ponto de chegada nem se vê com telescópio. O que está perto são os monstros marinhos, a corrupção, a mentira, a violência simbólica e prática dos governos sobre os cidadãos, capazes de engolir a caravela da liberdade”, descreve Andrade da Silva. Claro que são “perturbações conjunturais”, reconhece: “O 25 de Abril não está derrotado nem ninguém o derrotará. Envelhecemos mas não nos rendemos.”

Publico

Não poderia estar mais de acordo.

A Oligarquia expulsa após o 25 de Abril recuperou todas as suas armas, a sua influ^rncia ao nível do poder político e económico arrantando o nosso País para uma grave crise, ou crises, visto que estamos a contas com uma crise nacional e com uma outra Internacional.

O capital está unido com a oligarquia política que nos tem governados nestes últimos com o objectivos de nos retirar  o fundamental da democracia.

O país vai definhando e uns poucos engordando tal como no tempo de Marcelo caetano.

Tudo na mesma…

O País está mais pobre, mais atrasado e uma faixa de políticos corruptos ocupam os lugares chaves de decisão ,

É necessário um outro 25 de Abril. É urgente. É necessário. Urge mudar, e não voltar a cair no erro.

A revolução é uregente e necessária.

Por Portugal.