O debate deve ser centrado em prioridades: só com emprego se pode reconstruir a economia
Estamos a atravessar uma das mais severas crises económicas globais de sempre. Na sua
origem está uma combinação letal de desigualdades, de especulação financeira, de
mercados mal regulados e de escassa capacidade política. A contracção da procura é
agora geral e o que parece racional para cada agente económico privado – como seja
adiar investimentos porque o futuro é incerto, ou dificultar o acesso ao crédito, porque a
confiança escasseia – tende a gerar um resultado global desastroso.
É por isso imprescindível definir claramente as prioridades. Em Portugal, como aliás
por toda a Europa e por todo o mundo, o combate ao desemprego tem de ser o objectivo
central da política económica. Uma taxa de desemprego de 10% é o sinal de uma
economia falhada, que custa a Portugal cerca de 21 mil milhões de euros por ano – a
capacidade de produção que é desperdiçada, mais a despesa em custos de protecção
social. Em cada ano, perde-se assim mais do que o total das despesas previstas para
todas as grandes obras públicas nos próximos quinze anos. O desemprego é o problema.
Esquecer esta dimensão é obscurecer o essencial e subestimar gravemente os riscos de
uma crise social dramática.
A crise global exige responsabilidade a todos os que intervêm na esfera pública. Assim,
respondemos a esta ameaça de deflação e de depressão propondo um vigoroso estímulo
contracíclico, coordenado à escala europeia e global, que só pode partir dos poderes
públicos. Recusamos qualquer política de facilidade ou qualquer repetição dos erros
anteriores. É necessária uma nova política económica e financeira.
Nesse sentido, para além da intervenção reguladora no sistema financeiro, a estratégia
pública mais eficaz assenta numa política orçamental que assuma o papel positivo da
despesa e sobretudo do investimento, única forma de garantir que a procura é
dinamizada e que os impactos sociais desfavoráveis da crise são minimizados. Os
recursos públicos devem ser prioritariamente canalizados para projectos com impactos
favoráveis no emprego, no ambiente e no reforço da coesão territorial e social:
reabilitação do parque habitacional, expansão da utilização de energias renováveis,
modernização da rede eléctrica, projectos de investimento em infra-estruturas de
transporte úteis, com destaque para a rede ferroviária, investimentos na protecção social
que combatam a pobreza e que promovam a melhoria dos serviços públicos essenciais
como saúde, justiça e educação.
Desta forma, os recursos públicos servirão não só para contrariar a quebra conjuntural
da procura privada, mas também abrirão um caminho para o futuro: melhores infraestruturas
e capacidades humanas, um território mais coeso e competitivo, capaz de
suportar iniciativas inovadoras na área da produção de bens transaccionáveis.
Dizemo-lo com clareza porque sabemos que as dúvidas, pertinentes ou não, acerca de
alguns grandes projectos podem ser instrumentalizadas para defender que o
investimento público nunca é mais do que um fardo incomportável que irá recair sobre
as gerações vindouras. Trata-se naturalmente de uma opinião contestável e que reflecte
uma escolha político-ideológica que ganharia em ser assumida como tal, em vez de se
apresentar como uma sobranceira visão definitiva, destinada a impor à sociedade uma
noção unilateral e pretensamente científica.
Ao contrário dos que pretendem limitar as opções, e em nome do direito ao debate e à
expressão do contraditório, parece-nos claro que as economias não podem sair
espontaneamente da crise sem causar devastação económica e sofrimento social
evitáveis e um lastro negativo de destruição das capacidades humanas, por via do
desemprego e da fragmentação social. Consideramos que é precisamente em nome das
gerações vindouras que temos de exigir um esforço internacional para sair da crise e
desenvolver uma política de pleno emprego. Uma economia e uma sociedade
estagnadas não serão, certamente, fonte de oportunidades futuras.
A pretexto dos desequilíbrios externos da economia portuguesa, dizem-nos que
devemos esperar que a retoma venha de fora através de um aumento da procura dirigida
às exportações. Propõe-se assim uma atitude passiva que corre o risco de se generalizar
entre os governos, prolongando o colapso em curso das relações económicas
internacionais, e mantendo em todo o caso a posição periférica da economia portuguesa.
Ora, é preciso não esquecer que as exportações de uns são sempre importações de
outros. Por isso, temos de pensar sobre os nossos problemas no quadro europeu e global
onde nos inserimos. A competitividade futura da economia portuguesa depende também
da adopção, pelo menos à escala europeia, de mecanismos de correcção dos
desequilíbrios comerciais sistemáticos de que temos sido vítimas.
Julgamos que não é possível neste momento enfrentar os problemas da economia
portuguesa sem dar prioridade à resposta às dinâmicas recessivas de destruição de
emprego. Esta intervenção, que passa pelo investimento público económica e
socialmente útil, tem de se inscrever num movimento mais vasto de mudança das
estruturas económicas que geraram a actual crise. Para isso, é indispensável uma nova
abordagem da restrição orçamental europeia que seja contracíclica e que promova a
convergência regional.
O governo português deve então exigir uma resposta muito mais coordenada por parte
da União Europeia e dar mostras de disponibilidade para participar no esforço colectivo.
Isto vale tanto para as políticas destinadas a debelar a crise como para o esforço de
regulação dos fluxos económicos que é imprescindível para que ela não se repita.
Precisamos de mais Europa e menos passividade no combate à crise.
Por isso, como cidadãos de diversas sensibilidades, apelamos à opinião pública para que
seja exigente na escolha de respostas a esta recessão, para evitar que o sofrimento social
se prolongue.
Carlos Bastien, Economista, Professor Associado, ISEG; Jorge Bateira, Economista, doutorando,
Universidade de Manchester; Manuel Branco, Economista, Professor Associado, Universidade de Évora;
João Castro Caldas, Engenheiro Agrónomo, Professor Catedrático, Departamento de Economia Agrária
e Sociologia Rural do Instituto Superior de Agronomia; José Castro Caldas, Economista, Investigador,
Centro de Estudos Sociais; Luis Francisco Carvalho, Economista, Professor Auxiliar, ISCTE-IUL; João
Pinto e Castro, Economista e Gestor; Ana Narciso Costa, Economista, Professora Auxiliar, ISCTE-IUL;
Pedro Costa, Economista, Professor Auxiliar, ISCTE-IUL; Artur Cristóvão, Professor Catedrático,
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro; Álvaro Domingues, Geógrafo, Professor Associado,
Faculdade da Arquitectura da Universidade do Porto; Paulo Areosa Feio, Geógrafo, Dirigente da
Administração Pública; Fátima Ferreiro, Professora Auxiliar, Departamento de Economia, ISCTE-IUL;
Carlos Figueiredo, Economista; Carlos Fortuna, Sociólogo, Professor Catedrático, Faculdade de
Economia da Universidade de Coimbra; André Freire, Politólogo, Professor Auxiliar, ISCTE; João
Galamba, Economista, doutorando em filosofia, FCSH-UNL; Jorge Gaspar, Geógrafo, Professor
Catedrático, Universidade de Lisboa; Isabel Carvalho Guerra, Socióloga, Professora Catedrática; João
Guerreiro, Economista, Professor Catedrático, Universidade do Algarve; José Manuel Henriques,
Economista, Professor Auxiliar, ISCTE-IUL; Pedro Hespanha, Sociólogo, Professor Associado,
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra; João Leão, Economista, Professor Auxiliar,
ISCTE-IUL; António Simões Lopes, Economista, Professor Catedrático, ISEG; Margarida Chagas
Lopes, Economista, Professora Auxiliar, ISEG; Raul Lopes, Economista, Professor Associado, ISCTEIUL;
Francisco Louçã, Economista, Professor Catedrático, ISEG; Ricardo Paes Mamede, Economista,
Professor Auxiliar, ISCTE-IUL; Tiago Mata, Historiador e Economista, Universidade de Amesterdão;
Manuel Belo Moreira, Engenheiro Agrónomo, Professor Catedrático, Departamento de Economia
Agrária e Sociologia Rural, Instituto Superior de Agronomia; Mário Murteira, Economista, Professor
Emérito, ISCTE- IUL; Vitor Neves, Economista, Professor Auxiliar, Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra; José Penedos, Gestor; Tiago Santos Pereira, Investigador, Centro de Estudos
Sociais; Adriano Pimpão, Economista, Professor Catedrático, Universidade do Algarve; Alexandre
Azevedo Pinto, Economista, Investigador, Faculdade de Economia da Universidade do Porto;
Margarida Proença, Economista, Professora Catedrática, Escola de Economia e Gestão, Universidade
do Minho; José Reis, Economista, Professor Catedrático, Faculdade de Economia da Universidade de
Coimbra; João Rodrigues, Economista, doutorando, Universidade de Manchester; José Manuel Rolo,
Economista, Investigador, Instituto de Ciências Sociais; António Romão, Economista, Professor
Catedrático, ISEG-UTL; Ana Cordeiro Santos, Economista, Investigadora, Centro de Estudos Sociais;
Boaventura de Sousa Santos, Sociólogo, Professor Catedrático, Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra; Carlos Santos, Economista, Professor Auxiliar, Universidade Católica
Portuguesa; Pedro Nuno Santos, Economista; Mário Rui Silva, Economista, Professor Associado,
Faculdade de Economia do Porto; Pedro Adão e Silva, Politólogo, ISCTE; Nuno Teles, Economista,
doutorando, School of Oriental and African Studies, Universidade de Londres; João Tolda, Economista,
Professor Auxiliar, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra; Jorge Vala, Psicólogo Social,
Investigador; Mário Vale, Geógrafo, Professor Associado, Universidade de Lisboa.