O Provedor e a injustiça

O Provedor da Justiça tem sido o encarcerado mais célebre de Portugal. Com ele não há a presunção de inocência. Para o PS e para o PSD, até prova em contrário, a sua tentativa de sair de um cargo para o qual foi eleito em 2000, mostra a sua culpabilidade. Qualquer que ela seja, talvez até estar há um ano à espera que elejam uma qualquer personagem para o substituir. Nascimento Rodrigues está farto, o que é compreensível. Mas acontece que quer, após nove anos, ir à sua vida. Mas não o deixam. Dentro do espírito retrógrado com que encaram a democracia portuguesa (uma dança de cadeiras onde há lugares marcados para cada um), PS e PSD não conseguem chegar a um acordo. Que defenda o interesse dos cidadãos e não, apenas, a gulodice dos partidos. O que se tem passado com a eleição do Provedor de Justiça é mais grave do que se pensa. Mostra como a partidarização da administração pública portuguesa se tornou uma monstruosidade. Que amarra a sociedade civil à vontade dos principais partidos portugueses. PS e PSD consideram-se o pai e a mãe da democracia portuguesa. Dividem o país e os cargos do Estado. E sufocam, com esta partilha, feita com uma faca e um queijo, a democracia. O drama de Nascimento Rodrigues é que, em nome da liberdade, o colocaram numa gaiola. Porque nem PS nem PSD têm a chave para a abrir. Porque são incapazes de soletrar a palavra liberdade. PS e PSD continuam a funcionar como um médico amador: praticam a anestesia sem cirurgia. O problema é que o paciente é Portugal.

Fernando  Sobral in J.Neg.

O PS já ocupa todos os altos cargos públicos, faz lembrar o Zeca Afonso: ‘eles comem tudo’”

vampiro

O Provedor de Justiça denunciou hoje aquilo que diz ser o “apetite” do PS pelo cargo, na revista “Visão”. O mandato de Nascimento Rodrigues terminou há oito meses mas entre o PS e o PSD ainda não há consenso quanto ao seu sucessor.

Nascimento Rodrigues, no cargo desde Junho de 2000, invocou Os Vampiros, de Zeca Afonso: “O PS já ocupa todos os altos cargos públicos, faz lembrar o Zeca Afonso: ‘eles comem tudo’”. Segundo o responsável, “deveria caber ao segundo partido [o PSD] a escolha” para se conseguir um “quadro mais vasto de equilíbrio democrático de poderes”.

A “Visão” lembra que nos últimos meses têm sido propostos pelo PS nomes como Freitas do Amaral, António Arnault e Rui Alarcão. Mas estes foram rejeitados pelo PSD, que apresentou Laborinho Lúcio. Por sua vez, este nome foi descartado pelos socialistas.

Este “braço de ferro” assemelha-se, segundo Nascimento Rodrigues, a uma “comédia à portuguesa” e “desprestigia os decisores políticos, intranquiliza o funcionamento normal da Provedoria e deixa os cidadãos cada vez mais descrentes da qualidade da nossa democracia”.

Mas apesar de comédia, é pouca a vontade para rir. “O país acha admissível que o provedor continue refém destas circunstâncias até ao fim do ano ou, quem sabe, até depois?”, questiona.

O ainda Provedor de Justiça sente “desencanto com a visível degradação da qualidade da vida política” em Portugal e acomoda-se mal por se “ver obrigado a permanecer no exercício de um mandato cujo prazo legal está longamente excedido (…). Sou uma espécie de ‘Provedor Matusalém’”.

Nascimento Rodrigues lembrou ainda que, em breve, o país vai entrar em “longos períodos de pré-campanhas eleitorais, o que objectivamente torna mais difícil uma solução de consenso”.

O descontentamento do provedor já havia sido tornado público. No início de Março, o provedor escreveu à Assembleia da República considerando o atraso na eleição do seu sucessor uma situação “demasiado prolongada, insustentável e desprestigiante”. “Não há condições institucionais para prolongar [esta situação]”, acrescentou Nascimento Rodrigues.

Fonte: Público

O PS ficou escandalizado com as declarações do ainda provedor de justiça, Nascimento Rodrigues, sobre o alegado “apetite” que o partido terá pelo cargo, explicando assim o inaceitável impasse que se vive na nomeação de uma nova personalidade.

Os socialistas lá terão as suas razões para a irritação, mas há uma coisa que estas afirmações de Nascimento Rodrigues destapam: se o PS não tem o tal apetite, pelo menos parece. A menos que alguém produza outras explicações, só mesmo algum apetite pela função explicará o facto de há mais de seis meses não se conseguir encontrar um nome.

Num País em que não abundam os génios mas se vende ‘personalidades’ ao desbarato, é no mínimo estranho que os dois partidos de poder não encontrem uma alma disponível para o lugar. Mas se isso se fica a dever à existência do tal “apetite” pelo cargo, então o PS, ou alguém dentro dele, perdeu mesmo a cabeça. O provedor de justiça é um cargo importante na pura perspectiva da cidadania. É, hoje em dia, das pouquíssimas instituições que, apesar de ter um poder apenas de recomendação, ainda luta pelos direitos do homem comum. Se, até aí, crescer a lógica implacável do emprego político, seja ele do PS ou do PSD, então a claustrofobia do regime será total.

Fonte: Correio da Manhã