A banca nacionalizou o Governo

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A troco de apenas algum dinheiro, os bancos emprestam-nos o nosso próprio dinheiro para que possamos fazer com ele o que quisermos. A nobreza desta atitude dos bancos deve ser sublinhada

Quando, no passado domingo, o Ministério das Finanças anunciou que o Governo vai prestar uma garantia de 20 mil milhões de euros aos bancos até ao fim do ano, respirei de alívio. Em tempos de gravíssima crise mundial, devemos ajudar quem mais precisa. E se há alguém que precisa de ajuda são os banqueiros. De acordo com notícias de Agosto deste ano, Portugal foi o país da Zona Euro em que as margens de lucro dos bancos mais aumentaram desde o início da crise. Segundo notícias de Agosto de 2007, os lucros dos quatro maiores bancos privados atingiram 1,137 mil milhões de euros, só no primeiro semestre desse ano, o que representava um aumento de 23% relativamente aos lucros dos mesmos bancos em igual período do ano anterior. Como é que esta gente estava a conseguir fazer face à crise sem a ajuda do Estado é, para mim, um mistério.

A partir de agora, porém, o Governo disponibiliza aos bancos dinheiro dos nossos impostos. Significa isto que eu, como contribuinte, sou fiador do banco que é meu credor. Financio o banco que me financia a mim. Não sei se o leitor está a conseguir captar toda a profundidade deste raciocínio. Eu consegui, mas tive de pensar muito e fiquei com dor de cabeça. Ou muito me engano ou o que se passa é o seguinte: os contribuintes emprestam o seu dinheiro aos bancos sem cobrar nada, e depois os bancos emprestam o mesmo dinheiro aos contribuintes, mas cobrando simpáticas taxas de juro. A troco de apenas algum dinheiro, os bancos emprestam-nos o nosso próprio dinheiro para que possamos fazer com ele o que quisermos. A nobreza desta atitude dos bancos deve ser sublinhada.

Tendo em conta que, depois de anos de lucros colossais, a banca precisa de ajuda, há quem receie que os bancos voltem a não saber gerir este dinheiro garantido pelo Estado. Mas eu sei que as instituições bancárias aprenderam a sua lição e vão aplicar ajuizadamente a ajuda do Governo. Tenho a certeza de que os bancos vão usar pelo menos parte desse dinheiro para devolver aos clientes aqueles arredondamentos que foram fazendo indevidamente no crédito à habitação, por exemplo, e que ascendem a vários milhares de euros no final de cada empréstimo. Essa será, sem dúvida nenhuma, uma prioridade. Vivemos tempos difíceis, e julgo que todos, sem excepção, temos de dar as mãos. Por mim, dou as mãos aos bancos. Assim que eles tirarem as mãos do meu bolso, dou mesmo.

5 mililitros de gasolina a seguir às refeições

Opinião

Assaltaram-me o carro. Deixaram o auto-rádio onde estava, desdenharam a minha carteira, mal escondida no porta-luvas e não tocaram no GPS. Levaram-me só os sete litros e meio de gasóleo que tinha no depósito

A gatunagem apanhou-me, amigo leitor. Assaltaram-me o carro. E eram profissionais, os bandidos: deixaram o auto-rádio onde estava, desdenharam a minha carteira, mal escondida no porta-luvas, e não tocaram no GPS.

Levaram-me só os sete litros e meio de gasóleo que tinha no depósito. Espertalhões. Isto da carestia dos combustíveis também tinha de ter os seus inconvenientes.

Felizmente, as vantagens são inúmeras: há menos engarrafamentos, menos acidentes na estrada e menos carjacking. Com a gasolina a este preço, nenhum bandido no seu juízo perfeito rouba um carro. É meter-se em despesas. Por cada três Multibancos que assalta, dois são para pagar a gasolina necessária para as deslocações. É evidente que não compensa.

Mesmo assim, não faz sentido dizer que a vida está difícil, porque a verdade é que a morte está ainda pior. O Governo tem tudo previsto. Se o primeiro-ministro nos faz a vida negra, façamos-lhe a justiça de reconhecer que também nos torna a morte quase impossível. O suicídio, hoje em dia, está praticamente fora de hipótese. A imolação pelo fogo, tão popular no Médio Oriente, é-nos vedada pelo preço da gasolina. A escassez de sobreiros faz do enforcamento uma impossibilidade técnica. Comprimidos, nem pensar: as farmacêuticas vão-nos ao bolso. Apostar no cancro do pulmão é arriscado, porque quase não se pode fumar em lado nenhum. E as intoxicações alimentares são cada vez mais custosas, que a ASAE não dorme. A única hipótese é morrer de tédio, na fila para abastecer o carro nas bombas que vendem gasolina dois ou três cêntimos mais barata.

O que eu lamento, sobretudo, é a sorte daquela gente que tem o hábito de meter um valor de gasolina, e não uma quantidade. O leitor sabe como é: em vez de meterem 10 litros de combustível, estão habituados a ir à bomba meter 10 euros. Coitados. De há dois ou três anos a esta parte, tiveram uma surpresa. Em 2005, metiam 10 litros, e hoje metem uma colher de sopa. Dantes, enchiam o depósito com a mangueira, e agora abastecem com a colherzinha dos medicamentos.

Actualmente, é possível começar a encher o depósito e o preço do combustível aumentar duas ou três vezes enquanto se abastece. Uma pessoa pensa que tem dinheiro para atestar e no fim verifica que afinal tem de vender o carro para pagar a conta da gasolina. É possível, aliás, que o barril de crude tenha batido sete novos recordes desde que o leitor começou a ler isto. O melhor é ir encher o depósito antes que as estações de serviço comecem a vender gasolina em frasquinhos de perfume. Não deve faltar muito.

In “Visão