06-Jun-2009
“Um imenso campo de batalha pela energia estende-se desde o Irão até ao Oceano Pacífico. É lá que a Guerra Líquida pelo controlo da Eurásia tem lugar”, salienta o jornalista Pepe Escobar, autor deste artigo publicado no site alternet.org. Devido à sua extensão o artigo será publicado em três partes.
“Condustão”1: Tudo o que Precisa de Saber sobre Petróleo, Gás, Rússia, China, Irão, Afeganistão e Obama (parte I)
À medida que Barack Obama entra nos seus segundos cem dias como presidente, vejamos o enquadramento, a última conspiração, a pressa tumultuosa em direcção a uma ordem mundial nova e policêntrica. Nos seus primeiros cem dias, a presidência de Obama introduziu uma nova sigla, OCE – Operações de Continência Extraterritoriais (em inglês: OCO para Overseas Contigency Operations), anteriormente conhecidas por Guerra Global Contra o Terrorismo (GGCT). Use-se um ou outro nome, ou qualquer outra coisa, do que realmente se está a falar é sobre o que está a acontecer no imenso campo de batalha pela energia que se estende desde o Irão até ao Oceano Pacífico. É lá que a Guerra Líquida pelo controlo da Eurásia tem lugar.
Sim, tudo se resume ao ouro negro e ao “ouro azul” (gás natural), riquezas de hidrocarbono sem comparação e, portanto, é tempo de voltar atrás neste paraíso infinito que se pode designar por “Condustão”. É tempo de limpar o pó às siglas, especialmente à OCX ou Organização Cooperativa de Xangai, a resposta asiática à NATO, e aprender algumas novas como IPI e TAPI. Acima de tudo, é tempo de conhecer as mais recentes manobras no tabuleiro de xadrez gigante que é a Eurásia e no qual Washington quer ser o jogador crucial ou até dominante.
Já vimos guerras de “condustão” no Kosovo e na Geórgia e seguimos o principal sistema de condutas de Washington, o BTC, que deveria desviar o fluxo de energia para Oeste, obrigando o curso de petróleo a passar ao lado do Irão e da Rússia. Contudo, as coisas não resultaram, mas temos de continuar pois o Novo Grande Jogo nunca pára. Agora é tempo de agarrar aquilo que define a Grelha Asiática de Segurança Energética, é tempo de visitar uma república surreal de gás natural e perceber porque é que esta grelha está tão envolvida na guerra do Afeganistão – Paquistão (Af-Pak).
Todas as vezes que visitei o Irão, os analistas energéticos sublinham a “interdependência total da geo-ecopolíticas da Ásia e do Golfo Pérsico.” Isto define a importância de várias e grandes potências da integração asiática através da crescente massa de condutas de energia que um dia, inevitavelmente, vão ligar o Golfo Pérsico, a Ásia Central, a Ásia do Sul, a Rússia e a China. O maior trunfo iraniano perante a integração asiática está no campo gigantesco de gás natural South Pars (que está dividido entre o Irão e o Qatar). Estima-se que possua pelo menos 9% das reservas mundiais de gás natural.
Tanto quanto mais Washington possa viver em negação perpétua, a Rússia e o Irão controlarão cerca de 20% das reservas mundiais de petróleo e 50% das reservas mundiais de gás natural. Pense-se nisto por um momento. É então fácil de perceber que, para os líderes de ambos os países assim como para a China, a ideia da integração asiática, da Grelha, seja sacrossanta.
Se alguma vez for construído, o maior nó nesta Grelha será com certeza a linha de condutas Irão-Paquistão-Índia (IPI), também conhecido por “condutas da paz,”que valem 7,6 mil milhões de dólares. Depois de anos disputa, em 2008 iniciou-se um acordo quase miraculoso para a sua construção. Pelo menos neste caso, tanto o Paquistão como a Índia deviam permanecer ombro a ombro para rejeitar a pressão incansável por parte da Administração Bush no sentido de não aceitarem o acordo.
Não podia ser de outra forma. O Paquistão é energeticamente pobre e um cliente desesperado da Grelha. Há um ano atrás, num discurso na Universidade Tsinghua em Pequim, o então Presidente Musharraf fez tudo excepto implorar à China para investir nas condutas que ligariam o Golfo Pérsico e o Paquistão ao Extremo Ocidente chinês. Se isto acontecesse, ajudaria a transformar o Paquistão de um Estado quase falhado para um poderoso “corredor de energia” para o Médio Oriente. Se se pensar na linha de condutas como um cordão umbilical, não é necessário dizer que o IPI, mais do que qualquer ajuda dos EUA (ou direito de interferência), seria um passo em frente no caminho da estabilização do Paquistão dentro do teatro de operações da Guerra Af-Pak de Obama e, possivelmente, seria também um alívio na sua obsessão em relação à Índia.
Se o destino do Paquistão reside nesta questão, o do Irão reside noutra. Embora actualmente possua apenas o estatuto de “observador” na OCX, mais cedo ou mais tarde tornar-se-á membro e poderá gozar do estilo NATO, ou seja, a protecção de “um ataque contra um de nós é um ataque contra todos nós”. Imagine, então, as consequências catastróficas de um ataque preventivo de Israel (apoiado ou não pelos EUA) às estruturas nucleares do Irão. A OCX vai começar a trabalhar sobre este problema na sua próxima Cimeira em Junho, em Iekaterinburgo, Rússia.
As relações do Irão com Rússia e com a China são excelentes e continuarão assim não obstante o presidente iraniano que for eleito no próximo mês. A China precisa desesperadamente do gás e do petróleo iranianos, já conseguiu o “acordo do século” de 100 mil milhões de dólares sobre o gás e tem toneladas de armas e bens de consumo baratos para vender. Não menos próxima do Irão, a Rússia quer vender-lhes ainda mais armas assim como tecnologia para a energia nuclear.
E depois, ao movimentarmo-nos para Este da Grelha, encontramos o Turquemenistão, localizado na Ásia Central e que, ao contrário do Irão, pode nunca ter ouvido falar. Vamos corrigir isso agora.
Gurbanguly é o homem
O rei-sol do Turquemenistão, o manhoso e louco Saparmurat “Turkmenbashi” Nyazov, “o pai de todos os turquemenos” (descendentes de uma raça formidável de cavaleiros nómadas que atacavam as caravanas da Rota da Seda) está morto mas longe de ser esquecido.
Os chineses eram grandes entusiastas de Turkmenbashi. E o entusiasmo era recíproco. Uma razão fundamental para que os asiáticos centrais gostassem tanto de negociar com a China é o facto de o Reino do Meio trazer pouca bagagem imperial, ao contrário da Rússia e dos EUA. E claro, a China nunca vai pressionar ninguém sobre os direitos humanos ou fomentar uma revolução de cor de espécie alguma.
Os chineses já começaram a pressionar com sucesso o novo presidente turquemeno, o espectacularmente chamado Gurbanguly Berdymukhamedov, para acelerar a construção da mãe de todas as condutas. Este corredor do “condustão” Turquemeno-Cazaque-Chinês que vai desde o Este do Turquemenistão até à província chinesa de Guangdong, será a mais longa e a mais cara linha de condutas do mundo: 7 mil km de canos de aço com o assombroso custo de 26 mil milhões de dólares. Em 2007, quando a China assinou o acordo para a sua construção, asseguraram-se que seria adicionada uma questão geopolítica muito astuta. O acordo afirma explicitamente que os “interesses chineses” não serão “ameaçados a partir do território (do Turquemenistão) por terceiras partes.” Traduzindo, não serão permitidas bases do Pentágono neste país.
![Eurásia Eurásia](https://i0.wp.com/www.esquerda.net/images/stories/internacional/junho09/eurasia.jpg)
A hábil diplomacia energética da China em relação às Ex-Repúblicas Soviéticas da Ásia Central é uma vitória. No caso do Turquemenistão, são oferecidos negócios lucrativos e as parcerias com a Rússia são encorajadas para aumentar a produção de gás. Não existem antagonismos entre a Rússia e a China pois é conveniente serem os principais parceiros na OCX porque a história da Grelha Asiática de Segurança Energética é verdadeiramente sobre eles.
Já agora, por toda a Grelha, estes dois países concordaram recentemente em estender o oleoduto que vai do Este da Sibéria ao Oceano Pacífico até à China, até finais de 2010 pois a China precisa não apenas do gás turquemeno mas do gás natural líquido russo (GNL).
Com os preços baixos e a economia global a regredir, os tempos são duros para o Kremlin, pelo menos até 2010, mas este facto não influenciará negativamente a sua pressão no sentido de se formar um clube central asiático de energia dentro da OCX. Pense-se nisto como uma entente cordiale com a China. Ivan Materov, o Ministro da Energia e Adjunto da Indústria, tem sido daqueles que insiste que isto não conduzirá a uma “OPEP do gás” dentro da OCX. Fica para observar como é que a equipa de segurança nacional de Obama decide contra-atacar a estratégia russa, bem sucedida, para minar através de todos os meios um corredor de energia promovido pelos EUA via Mar Cáspio, enquanto que a consolidação de um “condustão” que se estende desde o Cazaquistão até à Grécia, controlará o fluxo de energia para a Europa Ocidental.
Tradução de Sofia Gomes para esquerda.net
Siglas usadas no artigo:
Af-Pak: Afeganistão-Paquistão
BTC: Conduta Baku-Tblisi-Ceyhan
CTA: Conduta Trans-Afegã
Grelha: Grelha Asiática de Segurança Energética
IPI: Irão-Paquistão-Índia
OCX: Organização Cooperativa de Xangai
TAPI: Turquemenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia
1 Tradução da expressão em inglês, original no artigo, “Pipeline-istan” que junta a palavra “pipeline” com o sufixo “istan” (de palavras como Pakistan, Afghanistan…). “Condustão” é a junção da palavra conduta com o sufixo “stão” (de palavras como Paquistão, Afeganistão…).
Fonte: Esquerda.net