Bloco pede a demissão dos dois homens envolvidos no Face Oculta

Paulo Rangel, um dos candidatos à liderança do PSD, considerou “estranho” que o Governo, no uso da sua golden-share na PT, não tenha chamado ainda os dois administradores, Rui Pedro Soares e Fernando Soares Carneiro, alegadamente envolvidos no caso das escutas, e tomado uma decisão que poderia ir em três sentidos: demissão, suspensão ou resignação dos cargos. Dos partidos contactados pelo DN, só o Bloco de Esquerda aceitou reagir a estas declarações. PCP e CDS/PP pela voz de António Filipe e Pedro Mota Soares, respectivamente, tiveram a mesma posição, ou seja, “não comentam entrevistas de candidatos do PSD”. Pelo contrário, João Semedo, dirigente e deputado do BE, diz que apesar de os factos não estarem, ainda, confirmados (alegado plano de interferência do Governo nos grupos de comunicação social), “julgo que os próprios elementos envolvidos deveriam tomar a iniciativa… e demitirem-se. Parece-me estranho que perante tanta suspeição não o façam”, disse ao DN. Não sendo assim, “cabe aos accionistas fazê-lo”, mas “também ao Governo”, através dos mecanismos que possui junto da PT, fazer com que esta situação tenha uma solução até que tudo seja esclarecido. “Se foi o Governo quem os nomeou, presumo que também os possa demitir”, reiterou o deputado do BE. Rui Pedro Soares e Soares Carneiro defendem a chamada golden-share, uma acção dourada que dá ao Estado direitos privilegiados na tomada de decisões na PT.

Fernando Sobral: A teoria das emboscadas

Premio 2008

Sócrates, o filósofo grego, era conhecido por nunca atacar os adversários de forma frontal, mas através de emboscadas. Usava a ironia para conquistar seguidores para os seus pontos de vista e cortejava os que queria submeter. Era considerado um mestre da psicologia. Sócrates, o primeiro-ministro, aprendeu muito pouco com o seu homólogo. Cada vez é mais evidente que ele, para conquistar, usa outro tipo de emboscadas. Que passaram pela conquista do sector financeiro que, aliada ao poder do Estado nas empresas estatais, acabariam por dominar a opinião publicada. E assim, criar, a hegemonia ideológica do seu gabinete em todo o País. Sócrates, o português, desconhece a ironia e dá pouco valor à persuasão através do diálogo. Prefere as teias urdidas nas sombras, através de eminências pardas que foram sendo colocadas em empresas públicas e privadas. Julgava que a anestesia social seria a melhor forma de governar Portugal como uma quinta. Sócrates domesticou o PS e, até há pouco, o Parlamento. Tornou irrelevante o poder legislativo. Depois conseguiu, com leis feitas à medida de necessidades pontuais e da disponibilização de meios financeiros, tornar o poder judicial um saco de gatos. A célebre teoria da separação de poderes foi inovada por Sócrates: o poder legislativo e o judicial respondiam, cada vez mais, perante o executivo. A questão do domínio das notícias publicadas seria o corolário da utilização do poder financeiro e empresarial que o Estado (e o executivo) dominam. A ironia de quem não a usa, é que este plano ainda não pereceu.

Sócrates “versus” Tribunal Europeu

A divulgação das escutas é um acto jornalístico protegido pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Afirmar-se que a divulgação das escutas é ilegal não passa de um “portuguesismo” sem relação com as práticas europeias.

I. Na tormenta, os (poucos) defensores de José Sócrates continuam agarrados à bóia do “formalismo”: dizem que a divulgação das escutas é ilegal. Ora, mesmo que estivessem certos neste ponto, os defensores de Sócrates tinham de perceber uma coisa: esse formalismo é menos importante do que a substância das escutas. Os (poucos) defensores de Sócrates querem discutir a legalidade das escutas, quando o país inteiro está a falar do conteúdo das escutas.

II. Mas sucede que a divulgação das escutas não é “ilegal”. Como tem salientado Paulo Pinto de Albuquerque, o “Sol” e demais jornais estão protegidos pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH). A jurisprudência europeia é clara: o interesse público está acima dos “formalismos” e da privacidade dos políticos. Se uma notícia tem interesse público (e estas escutas têm esse interesse), o segredo de justiça e a privacidade ficam em segundo plano.

III. A providência cautelar do boy da PT é uma violação da jurisprudência emitida pelo TEDH. O magistrado que a autorizou não conhece essa jurisprudência. Nenhum juiz do TEDH aceitaria o argumento de que estamos perante “conversas privadas”. A privacidade de um político é menor do que a de um cidadão normal. À medida que o grau de poder sobe, o grau de privacidade desce. Aquelas conversas (que envolvem o primeiro-ministro, a PT, e a TVI) não são “conversas privadas”. Ponto final.

IV. Felizmente, temos a Europa. E a Europa não é só o défice e o “euro”. É também o TEDH, a entidade que fiscaliza o défice ético, jurídico e até político de um país. Se Portugal perder mesmo a vergonha, se Sócrates continuar a fugir às suas responsabilidades, resta-nos recorrer ao TEDH. E aí Sócrates e o “socratismo” serão derrotados. Os jornalistas portugueses não estão abandonados. Podem e devem recorrer ao TEDH, caso as autoridades portugueses consigam “silenciar” este caso aqui em Portugal.

por Henrique Raposo , Expresso

Morre-se de frio em Portugal

Portugal é dos países da União Europeia onde mais se morre por falta de condições de isolamento e aquecimento nas casas, segundo um estudo de especialistas da Universidade de Dublin que comparou 14 países europeus.

A falta de condições de isolamento das habitações poderá ter estado na origem da morte de quatro idosos em Lisboa, no domingo, uma situação que a PSP já admitiu poder dever-se às baixas temperaturas que se fazem sentir.

De acordo com a investigação, que analisou as potenciais causas da mortalidade no inverno em 14 países europeus, “Portugal tem a maior taxa (28%) de excesso de mortalidade no inverno”, seguido de Espanha e Irlanda, ambos com 21%.

Mais mortes onde o inverno é menos severo

O trabalho sublinha um dos paradoxos da mortalidade no inverno: “As maiores taxas de mortalidade ocorrem geralmente em países onde o inverno é menos severo e onde deveria haver menos potencial/tendência para casos de gripe e para a mortalidade relacionada com a gripe”.

“Os países com climas mais temperados tendem a ter baixa eficiência térmica nas habitações e por isso é mais difícil manter estas casas quentes quando chega o inverno”, refere a investigação.

“Este é em particular o caso de Portugal, Espanha e Irlanda, onde as temperaturas no inverno são comparativamente mais temperadas e as taxas de excesso de mortalidade nesta estação muito elevadas”, conclui.

Agências de Rating: A Goldman Sachs permitiu ocultar crise grega



Wall Street agravou crise da Grécia
Tácticas utilizadas por Wall Street, como as que fomentaram a crise das subprime nos Estados Unidos, contribuíram para agravar a crise na Grécia e prejudicaram o euro, garantiu o The New York Times

O diário, baseando-se em entrevistas, relatórios e documentos a que teve acesso, noticia que no caso da Grécia, Atenas incorreu durante uma década, com a ajuda de Wall Street, em práticas que lhe permitiram iludir os limites da dívida estabelecidos por Bruxelas.

Concretamente, uma transacção promovida pelo banco de investimento Goldman Sachs permitiu à Grécia ocultar às autoridades supervisoras de Bruxelas uma dívida de milhares de milhões de euros, refere o jornal.

Mesmo quando a crise fiscal da Grécia estava no ponto máximo, numa situação sem retorno, bancos de Wall Street procuravam mecanismos para ajudar aquele país a evitar perguntas incómodas da parte de Bruxelas e dos Estados da zona euro.

De facto, em princípios de Novembro, três meses antes de Atenas se transformar no epicentro da preocupação global devido à má situação das suas contas públicas, uma equipa do Goldman Sachs chegou à capital grega levando uma proposta «muito moderna» para governos com problemas em fazer frente aos seus gastos, de acordo com duas pessoas que foram informadas do encontro, noticia o New York Times.

Os banqueiros, liderados pelo presidente do Goldman, Gary Cohn, ofereceram à Grécia um produto financeiro que permitiria ao país redistribuir parte da dívida do sistema de Saúde, de forma a só ter de a enfrentar muito mais tarde.

O New York Times compara este método ao aplicado por cidadãos com problemas económicos que hipotecam as casas para poder pagar as contas dos cartões de crédito.

A táctica sugerida pelo Goldman já tinha funcionado em 2001, pouco depois da Grécia ter sido aceite na zona euro. Na altura, o banco apresentou uma estratégia segundo a qual Atenas pode tomar de empréstimo milhares de milhões de euros, sem ultrapassar os limites fixados por Bruxelas, destaca o jornal de Nova Iorque.

A transacção, que não veio a público porque foi qualificada como uma intermediação de divisas e não como um empréstimo, permitiu à Grécia as normas de Bruxelas, continuando a gastar mais do que tinha, adianta o diário.

Atenas não aceitou a última proposta do Goldman, mas face à crise de credibilidade da Grécia devido à má situação das suas contas públicas, o papel de Wall Street no «mais recente drama financeiro mundial» suscita questões sérias, na opinião do jornal.

Tal como na crise das subprime (hipotecas de alto risco) nos Estados Unidos e o colapso e posterior resgate da seguradora American International Group (AIG), produtos financeiros tiveram um papel fundamental na fase prévia da crise da dívida da Grécia, recorda o diário.

Instrumentos desenvolvidos por Goldman, JPMorgan Chase e outros bancos permitiram a Governos europeus ocultar os empréstimos adicionais que faziam, como aconteceu na Grécia e Itália e provavelmente em outros países, escreve ainda o New York Times.

Face Oculta: Henrique Neto lança aviso “Sócrates revela fragilidade”

O ex-dirigente socialista Henrique Neto considerou ontem que José Sócrates deve prestar esclarecimentos ao País sobre o seu alegado envolvimento num plano para controlar a Comunicação Social e avisa: “Condenar o mensageiro não esclarece e revela a fragilidade da sua posição”.

“Ao não prestar qualquer esclarecimento sobre o assunto, condenando apenas o mensageiro [‘Sol’], José Sócrates confessa o seu próprio envolvimento”, afirmou ao CM Henrique Neto, considerando que o desafio de dirigentes do PS à oposição para que avance com uma moção de censura ao Governo é uma “fuga para a frente”.

Questionado sobre se Sócrates tem condições para continuar, Henrique Neto foi peremptório: “Penso que Santana Lopes foi demitido por menos”. Mas compreende que dada a situação económica do País, Cavaco Silva “não assuma o mesmo risco”. Mesmo assim, para o ex-dirigente do PS, o Governo tem os dias contados: “Deverá aguentar-se até ao Verão”.

Perante a divulgação do conteúdo das escutas do processo ‘Face Oculta’ e a exigência sucessiva de esclarecimentos ao Governo, o PS radicalizou o discurso. António Costa e Capoulas Santos desafiaram a oposição a apresentar uma moção de censura ao Governo.

A proposta foi recusada pela oposição e dividiu o PS. Há socialistas que acreditam que a queda do Governo beneficiaria Sócrates, outros consideram que esse não é o caminho.

POLVO:Tentáculos da Face Oculta podem ter chegado a Santana Lopes

Manuel Godinho terá passado três cheques a Pedro Santana Lopes e outro ao irmão do ex-primeiro ministro, Paulo Santana Lopes, num total de 72.325 euros, noticia hoje o “Correio da Manhã”.
Ao diário, Santana, assegura não ter recebido qualquer cheque do arguido do caso Face Oculta. O irmão admite ter tido uma relação comercial com o sucateiro entre 2001 e 2002, mas nega qualquer relação com o PSD.
“Não faço a menor ideia sobre a existência desses cheques em meu nome ou para o partido, se é que existem. É a primeira vez que ouço falar neste assunto. Nunca tive qualquer contacto com o sr. Godinho e nem sabia que o meu irmão Paulo o conhecia”, afirmou ao CM Santana Lopes.

No total, de acordo com o mesmo jornal, as verbas descobertas no âmbito das investigações do caso Face Oculta ascendem a 72.325 euros. Contudo, Pedro Santana Lopes assegurou ao “Correio da Manhã” que não recebeu qualquer cheque de Manuel José Godinho, proprietário da empresa SCI-Sociedade Comercial e Industrial de Metalomecânica SA, que está no centro do processo.

“Não faço a menor ideia sobre a existência desses cheques em meu nome ou para o partido, se é que existem”, sublinhou. O ex-presidente social-democrata afirmou, ainda, que desconhecia que o seu irmão Paulo conhecia Manuel José Godinho. Já o seu irmão assumiu que teve relações comerciais com o arguido e empresário de Ovar entre 2001 e 2002, mas negou qualquer relação entre as transacções e o PSD.

Das outras verbas das contas de Godinho consideradas “suspeitas” pela investigação fazem parte dois cheques no valor de 20 mil euros enviados para o CDS-PP em Novembro e Dezembro de 2001, altura em que Paulo Portas era candidato à Câmara de Lisboa e presidente do partido.

Há ainda, segundo o jornal, outros três cheques de 27.500 euros em nome do ex-dirigente centrista Narana Coissoró, que os justificou como sendo honorários da altura em que foi advogado de Godinho.

O processo Face Oculta investiga alegados casos de corrupção e outros crimes económicos relacionados com empresas do sector empresarial do Estado e empresas privadas. No âmbito deste processo, foram constituídos 18 arguidos, incluindo Armando Vara, ex-ministro socialista e vice-presidente do BCP, que suspendeu as funções, José Penedos, presidente da REN – Redes Elétricas Nacionais, suspenso de funções pelo tribunal, e o seu filho Paulo Penedos, advogado da empresa SCI-Sociedade Comercial e Industrial de Metalomecânica SA. Esta é a empresa que está no centro da investigação e o seu proprietário, Manuel Godinho, é o único dos 18 arguidos do processo que está em prisão preventiva.

Parque Escolar tem evitado aplicar as normas de transparência previstas na lei

Vinte por cento dos projectos de arquitectura já adjudicados estão concentrados em 12 gabinetes. Presidente da empresa reconhece injustiças no programa.

Através do recurso a três decretos-leis que contêm disposições contrárias, a empresa pública Parque Escolar tem restringido a aplicação das normas que, naqueles diplomas, visam acautelar a transparência e as regras da livre concorrênca na contratação pública feita por ajuste directo. Este modus operandi, que foi confirmado ao PÚBLICO pelo presidente daquela empresa, João Sintra Nunes, tem sido seguido em praticamente todos os contratos já celebrados com gabinetes de arquitectura, cujo montante ultrapassará os 40 milhões de euros.

A Parque Escolar é uma entidade pública empresarial, constituída há três anos para levar por diante um programa de modernização de escolas que têm ensino secundário, cujo investimento poderá rondar os 3,5 mil milhões de euros. Todos os projectos de arquitectura para as 205 escolas que, por enquanto, foram escolhidas para intervenção foram adjudicados por ajuste directo. No conjunto, os contratos de serviços celebrados deste modo pela empresa representam 10 por cento do investimento já realizado. Enquanto entidade pública empresarial, e também pelo regime de excepção contido no diploma que a constituiu, a Parque Escolar pode contratar serviços por ajuste directo até 206 mil euros, que é o limiar comunitário. O limite nacional para estes contratos é de 75 mil euros.

Para além de terem sido feitas sem concurso, a maior parte das adjudicações de projectos de arquitectura foi concretizada sem consulta a outras entidades. E também, até ao mês passado, sem publicitação no portal da Internet dedicado aos contratos públicos, um procedimento que o Código dos Contratos Públicos, em vigor desde Julho de 2008, tornou obrigatório. Foi o que se passou com os projectos de arquitectura para as 75 escolas que integram a segunda fase do programa, que foram celebrados já com o CCP em vigor. Nesta fase, a 24 gabinetes também foi entregue mais do que um projecto, uma repetição de encomenda que o Código interdita.

Sintra Nunes alega que a empresa não estava obrigada a cumprir estas disposições, porque a decisão de contratar, embora não a celebração dos contratos, foi adoptada antes da entrada em vigor do CCP, valendo assim para estes o articulado do decreto-lei de 1999 que aquele diploma veio revogar. Esta decisão foi aprovada pelo conselho de administração da Parque Escolar seis meses depois da aprovação do Código dos Contratos Públicos e a 27 dias da entrada em vigor deste diploma.

Sem convite

Na maioria dos contratos já celebrados este ano, no âmbito da terceira fase, que envolverá 100 escolas, a Parque Escolar também tem evitado aplicar o regime excepcional de contratação, aprovado em 2009, e da qual deveria ser a principal beneficiária. Para salvaguardar a concorrência, este regime impõe que para as adjudicações feitas deste modo têm de ser convidadas pelo menos três entidades distintas a apresentar propostas.

Na esmagadora maioria dos contratos já celebrados para a terceira fase, a Parque Escolar não respeitou esta disposição. “O regime excepcional dá-nos prerrogativas, mas nós não somos obrigados a utilizá-las”, justifica Sintra Nunes. Este responsável explica que, tendo esta fase sido lançada já com o CCP em vigor, a empresa tem recorrido sobretudo a este diploma para evitar o convite a mais do que uma entidade, uma obrigação que não está contemplada no Código. Apenas vem aplicando o regime excepcional para repetir encomenda, um procedimento que este autoriza, mas que é proibido pelo CCP. Não sendo possível, no mesmo contrato, aplicar dois dispositivos legais contraditórios, só nestes casos é que têm sido convidadas outras entidades, para além da que é contratada, a apresentar propostas.

Mas a Parque Escolar só tem contabilizado, para este efeito, a repetição de encomenda realizada na fase actual e que, para já, abrange sete gabinetes. No conjunto dos programas, dos 104 gabinetes contratados, 50 ficaram com mais do que um projecto. Destes, 12 têm quatro ou mais escolas, totalizando 20 por cento dos projectos adjudicados, com honorários que oscilam entre 719 mil euros e 2,2 milhões. A maioria voltou a ser contratada para a terceira fase, sem consulta a outras entidades.

Segundo Sintra Nunes, o recurso aos mesmos gabinetes justifica-se por existirem, em Portugal, “poucos que tenham capacidade para responder a este tipo de encomenda”.

“Malabarismos jurídicos”

Este mês um grupo de arquitectos lançou uma petição, onde se solicita à Assembleia da República que imponha transparência no programa tutelado pela Parque Escolar e exiga a demissão do seu conselho de administração. Para Luís Afonso, que integra aquele grupo, toda a conduta daquela empresa “tem-se baseado numa artificialidade legal, que permite a acumulação de um grande número de projectos pela mesma equipa, veda o acesso democrático à encomenda pública e vicia o quotidano do ofício [de arquitecto]”. Também Tiago Saraiva, outro dos autores da petição, acusa a empresa de se “socorrer de malabarismos jurídicos para justificar o injustificável”. “É injustificável gerir os dinheiros públicos desta forma”, frisa.

Para a Ordem dos Arquitectos não subsistem dúvidas. Pela primeira vez, num artigo publicado nestas páginas, o seu presidente, João Rodeia, descreve esta situação como sendo “insustentável”. Já Carlos Pratas, arquitecto e professor da Faculdade de Arquitectura do Porto a quem foram já adjudicados 11 projectos, considera que o conselho de administração da Parque Escolar tem revelado “uma enorme capacidade de trabalho, de liderança e de realização, num processo muito estimulante, com larga participação da comunidade escolar. E, sobretudo, de enorme transparência”. “Orgulho-me de poder participar num programa com uma dimensão única na história portuguesa”, acrescentou.

“Parte mais injusta”

O presidente da Parque Escolar, Sintra Nunes, admite que os moldes em que tem sido feita a adjudicação dos projectos de arquitectura tornou este processo na “parte mais injusta” do programa de modernização das escolas. Segundo este responsável, a empresa planeara que as adjudicações, na terceira fase, fossem já feitas através de concursos públicos. Mas, acrescenta, este procedimento tornou-se inviável devido à decisão do Governo de acelerar o programa de modernização no âmbito da estratégia europeia para criar emprego e dinamizar a economia. O responsável garante que, já na quarta fase, que deverá arrancar este Verão, “o paradigma de contratação dos projectos de arquitectura vai ser alterado”. Vão ser lançados concursos limitados com prévia qualificação e alguns concursos públicos, esclarece. Através da federação europeia Europan, será lançado um concurso para três escolas que vão ser feitas de raiz.

Três quartos das escolas secundárias vão sair do património do Estado

Empresa pública será proprietária de inúmeros terrenos que poderão ser alienados de forma mais fácil a partir do momento em que saírem do património do Estado.

Todas as escolas que estiveram, estão ou virão a estar em obras, no âmbito do programa de modernização dos seus edifícios tutelado pela Parque Escolar, vão deixar de integrar o património do Estado para passar a ser propriedade daquela entidade pública empresarial, indicou ao PÚBLICO o seu presidente, João Sintra Nunes. Para já, está decidido que as obras, lançadas há três anos, abrangerão 332 das 445 escolas públicas de Portugal continental que têm ensino secundário, mas a intervenção poderá ser alargada a mais outras 38, referiu.

Segundo Sintra Nunes, a transferência de propriedade para a Parque Escolar, que afectará assim entre 75 a 83 por cento das escolas com secundário, será feita “à medida que as escolas vão sendo modernizadas”. Das 205 escolas já seleccionadas para obras, em 20 os trabalhos estão concluídos, há 11 em fase de conclusão e 75 estarão prontas no 1º semestre do próximo ano. Para as outras 100 estão agora a ser adjudicados os projectos de arquitectura.

A Parque Escolar foi criada por um decreto-lei de 2007 para levar por diante este programa de obras, justificado com a necessidade de adaptar as instalações escolares ao uso das novas tecnologias e às novas normas de climatização e ruído. Tem “autonomia administrativa, financeira e patrimonial”.

Com um investimento que poderá chegar aos 3,5 mil milhões de euros – um montante superior ao da construção do novo aeroporto de Lisboa -, este programa é financiado por verbas do Orçamento do Estado, por fundos comunitários e por empréstimos que podem ser contraídos pela Parque Escolar. Neste recurso ao mercado de capitais, o património da empresa pode ser utilizado como aval. A empresa já contratualizou um empréstimo de 300 milhões de euros, a que prevê acrescentar, a curto prazo, outros dois num montante de 850 milhões.

Mudança por despacho

Até agora, o Governo transferiu para esta empresa o direito de propriedade de sete escolas, entre as quais figuram alguns dos chamados “liceus históricos” (Passos Manuel e Pedro Nunes, em Lisboa, e Rodrigues de Freitas, no Porto). Esta transmissão foi feita no acto de constituição da empresa, de modo a reforçar o seu capital estatutário e só ainda não foi concretizada com outros edifícios devido a dificuldades na localização de registos, um problema comum no que respeita ao património do Estado, esclareceu o responsável.

Através do seu gabinete de imprensa, o Ministério da Educação justifica a opção, sublinhando que o objectivo foi “criar uma entidade pública especializada, que através de um modelo de gestão empresarial permita garantir princípios de gestão mais racional e eficiente”. O ministério lembra que as transferências de património só poderão ser realizadas por despacho conjunto do ME e do Ministério das Finanças e que, sendo a Parque Escolar uma empresa pública, “não está em causa a transferência do património para o sector privado”.

Com a propriedade destas escolas, a Parque Escolar ficará na posse de milhares de metros quadrados, localizados na maioria dos casos em zonas centrais de inúmeras cidades. Juristas contactados pelo PÚBLICO frisam que as empresas públicas têm de obedecer a muito menos prerrogativas do que o Estado quando se trata de alienar património, uma operação que se torna assim “muito mais fácil” de realizar por estas entidades. Nos últimos anos têm sido também várias as empresas públicas, com o património respectivo, que foram privatizadas.

Teoricamente, a transferência de propriedade do Estado para as empresas públicas terá essencialmente como objectivo o de aliviar o Orçamento do Estado – poupa-se nas dotações de capital e no dispêndio futuro com os imóveis, que passará a correr por conta da empresa e não do OE. Mas, pelo menos até 2011, a remuneração das despesas de manutenção dos imóveis será efectuada através das verbas transferidas para esta empresa.

Os estatutos da Parque Escolar permitem também que concessione serviços como as cantinas e papelarias. Sintra Nunes garante, contudo, que não vai intervir na sua exploração. “Não vamos entrar nos negócios das escolas”, assegura o responsável da empresa. Com uma excepção: para a Parque Escolar reverterão 50 por cento das receitas auferidas pelas escolas com o aluguer de espaços (pavilhões e campos de jogos) ao exterior. As propostas das escolas a intervencionar são apresentadas pelas direcções regionais de Educação.

Lisboa recebeu 148 milhões destinados às regiões pobres

ALEXANDRA FIGUEIRA

Desvio de dinheiro está a tornar-se intolerável, considera gestor do programa regional do Norte.

Ao fim do primeiro ano de aplicação do QREN, Lisboa captou fundos comunitários ao abrigo do regime do chamado “efeito difusor” no valor de 193 milhões de euros, dos quais 148 serão contabilizados como se tivessem sido investidos no Norte, Centro e Alentejo.

Além disso, e já que os fundos só cobrem parte do investimento, o Orçamento de Estado é chamado a cobrir a parte restante. De acordo com o Observatório do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), o valor total do investimento propiciado pelo uso do “efeito difusor” ascende a 418 milhões de euros.

Este efeito, também chamado de “spill over”, foi negociado entre o primeiro Governo de José Sócrates e a Comissão Europeia e diz que uma parte dos fundos comunitários dados pela União especificamente para desenvolver as três regiões mais pobres do país – Norte, Centro e Sul – pode ser aplicada em Lisboa, sob o argumento de que certos investimentos lá realizados têm efeitos benéficos sobre o resto do país. Em causa estão, sobretudo, gastos com a modernização da Administração Pública.

No final de 2009, o montante investido em Lisboa com recurso à cláusula de excepção representava 0,2% da verba já aprovada no Programa Operacional Potencial Humano, para formação profissional (neste caso, de funcionários públicos). Mas, no segundo Programa Operacional em que se aplica – o de Factores de Competitividade, sobretudo no que toca à modernização da Administração Pública -, o valor ascendia a 8,8% do total aprovado. Esta percentagem é “bastante significativa” e “deveria diminuir”, considera Mário Rui Silva, gestor do fundo comunitário específico da região Norte (PO Norte).

O responsável pensa que o dinheiro das regiões investido em Lisboa está “no limite dos limites”, mas escusou-se a dizer quanto seria adequado. Reafirmou, antes, o princípio que, entende, deve ser seguido: “Os fundos são dados para induzir mudança estrutural nas três regiões de convergência, pelo que os recursos devem ser afectados a essas regiões”.

É essa a tese defendida pela Junta Metropolitana do Porto na queixa apresentada em Bruxelas e nos processos a decorrer no Tribunal Administrativo do Porto, adiantou o advogado Luís Paiva Brandão. A queixa foi entregue à Comissão Europeia em Outubro de 2008. “Até agora, ainda não tivemos resposta”, afirmou.

Desvio deve-se a centralismo

Enquanto decorrem os processos judiciais, o Governo vai apresentando candidaturas a fundos comunitários. Mário Rui Silva reconhece a vantagem de os valores investidos em Lisboa com verbas das regiões mais pobres serem agora do domínio público, ao contrário do sucedido em quadros anteriores. “Podemos agora ir monitorizando o que se passa”, disse.

Espera, assim, que os próximos relatórios não demonstrem um aumento face à fatia das verbas que já foi desviada para Lisboa. “O cenário mais optimista é que este valor reflecte o essencial dos projectos e que a maioria das medidas já tenha sido lançada”, disse.

Mário Rui Silva reconhece que a decisão de financiar a modernização da administração pública com fundos das regiões mais pobres, em vez de o fazer através do Orçamento de Estado, é política e decorre do facto de a Administração Central estar “toda ela sediada em Lisboa”. Daí referir que o “desequilíbrio” actual entre Lisboa e o resto do país só se resolve criando regiões com autonomia.