por JOÃO MARCELINO
(“Nós temos a maioria absoluta e temos a responsabilidade de decidir tudo
o que a Assembleia da República decide”,
Alberto Martins, líder parlamentar do PS, quinta-feira, na TSF)
1 Foi o PS de José Sócrates que, há cerca de dois anos, não quis viabilizar o chamado projecto (de João) Cravinho de combate à corrupção. Uma oportunidade perdida. Um dos mais clamorosos erros da maioria durante a actual legislatura.
A realidade também é aquilo que parece. E, para todos os efeitos, justa ou injustamente, pareceu a muita gente que o PS não quis dar luta a um fenómeno de que todos vemos, sem óculos, emanações bem delicadas.
Agora, alguns escândalos depois, com três eleições à vista, o PS e o Governo acabaram por ir a reboque do Bloco de Esquerda na questão do levantamento do sigilo bancário. Falta discutir aspectos importantes na especialidade, é certo, mas há um grande consenso que passa pelo Parlamento, contagia o Governo e conta com o beneplácito do Presidente da República. Vistas as coisas assim, é muito positivo para a sociedade portuguesa. Mas é, obviamente, a maioria parlamentar do PS a ir atrás do Bloco de Esquerda, quando teve oportunidade para ir à frente, marcando bem a opção por uma transparência inadiável no seguimento do rasto do dinheiro.
E não teria sido mais do que isso se Alberto Martins não acabasse por ser absurdamente arrogante na afirmação de que este entendimento apenas foi possível porque a maioria, que tudo pode, e tudo decide, só agora achou importante pronunciar-se sobre o assunto que só a ela pertence. Foi esse o sentido das suas palavras, que ouvi na TSF. Como exemplo de entendimento do que é uma maioria parlamentar, e para que serve, não está nada mal. Duvido que o PS queira ver recordada a tirada do seu líder parlamentar quando voltar a pedir uma nova maioria aos portugueses, lá para depois do Verão.
2 É evidente que este combate deve ter agora outros episódios, e que um deles tem necessariamente de passar pelo criminalizar do enriquecimento ilícito. No final da linha estará toda uma produção legislativa que permita instrumentos de combate efectivo à corrupção instalada.
A sociedade portuguesa deve perceber em definitivo – e o PS tem especial responsabilidade nesta luta – que tem de ser invertido o caminho das últimas décadas.
Portugal tornou-se num país esquisito, onde uma pessoa como Isaltino Morais, presidente da Câmara de Oeiras em exercício, é capaz de desafiar descaradamente, em julgamento, a juíza a encontrar um outro titular de cargos públicos que não fizesse o mesmo que ele “na altura”; ou onde se não pagam impostos tranquilamente como se isso não fosse um crime que defrauda o Estado e sobrecarrega todos os contribuintes honestos, que cumprem as suas obrigações.
Nessas lutas para ganhar o respeito da maioria dos portugueses, o PS não pode especializar-se em ir a reboque. Ninguém vota numa carruagem quando o pode fazer na locomotiva.
O Conselho de Estado tarda em voltar a juntar-se, e com certeza que será por falta de assunto. Mas haverá um momento, no futuro próximo, em que é provável que Cavaco Silva queira ouvir os senadores que ali têm assento: aquele em que terá de decidir a marcação das próximas eleições legislativas. Vamos ver se terá tanta pontaria que acerte numa ida de Dias Loureiro a algum torneio de golfe no estrangeiro. Seria um hole-in-one (acertar no buraco apenas com uma tacada) de rara precisão política. Impossível não é…